domingo, 22 de abril de 2012

Traição

Fernando atravessou a rua apressado.
Irritava-o o movimento intenso de carros e ônibus àquela hora.
Sempre assim, tentava sair mais cedo de seu trabalho, mas havia ainda o que fazer, ordens ditadas à última hora por seu chefe.
 

Havia já dois anos desde que se formara, e ele ocupava um bom cargo numa empresa de auditoria.
Sentia-se orgulhoso de seu emprego, jovem ainda, já reconhecido na área e com um bom salário.
 
Não se arrependia de ter seguido os conselhos de seu pai ao cursar economia.
Embora tivesse esboçado alguma vontade de ser médico em sua juventude, acabou por ceder à voz da sabedoria e experiência.
Aliás, ele e seus dois irmãos mais velhos e já casados, nunca questionaram nada durante as reuniões em casa, no escritório do pai, repleto de livros de direito.
Advogado brilhante e austero, de poucas palavras, respeitado e temido por todos da família.
Bem verdade que sua mãe, algumas vezes, sorria-lhe timidamente ao término de algumas destas reuniões, mas Fernando, sem entender, nunca fez muito caso.

Hoje, terça feira, era dia de ver a namorada. Costumavam lanchar juntos, e depois, ele a levava  à universidade em seu carro. Ela o esperava  à porta do edifício onde morava, seguiam até à lanchonete da esquina, e após comerem  e trocarem rápidos carinhos, rumavam para a faculdade.
Terminadas as aulas, esperava-a à saída e levava-a de volta para casa.

Bem mais jovem do que ele, Cristina parecia uma adolescente, bonita e muito provocante, o que desgostava  profundamente a Fernando. Os homens olhavam-na com olhares desejosos de sexo, o que por vezes terminava em cenas violentas  de ciúmes. Ele habituou-se a acompanhar pelo canto dos olhos, todos os movimentos da namorada, seguindo e interpretando à sua maneira, cada pequeno gesto que ela fazia.

Tais acontecimentos terminaram por pautar e dimensionar a forma com que Fernando deveria tratá-la. Estavam pensando em ficar noivos, e Fernando já havia mesmo avisado aos pais dela que iriam se casar. Ele comprou um apartamento, e algumas vezes, era lá que faziam amor, nos fins de semana em que ficavam mais tempo juntos. Ali colocaram um colchão, alguns utensílios necessários de cozinha, e ficavam sonhando a vida de casados que estava por chegar. Nestes momentos, Fernando era só amor, dedicação.

O inferno era sair à rua com Cristina. Os homens olhando, e ele cada vez mais certo de que ela retribuía tais olhares. Nas últimas semanas, resolveu seguí-la à distância, chegando mais cedo à universidade e num canto mais escuro do estacionamento, ficava de olho para ver se ela conversava com alguém. Quando algo de suspeito acontecia, Fernando pedia explicações, acusava-a e explodia em acessos de muita raiva. Nestes momentos, ameaçava-a de não mais se casar, de deixá-la para sempre. O que fez algumas vezes, mas cedendo sempre aos apelos chorosos de Cristina ao telefone, acabava voltando.

Para melhor controlar seus carinhos e sua presença junto à namorada, ele criou uma planilha no excel, e ali, ía dando notas diárias aos diversos comportamentos  manifestados por ela. Por exemplo, ao se falarem ao telefone à hora do almoço, havia dias em que ela estava carinhosa, doce e muito terna; outras vezes, no encontro noturno, ela se vestia em decotes e saias curtas; as notas  seguiam de acordo com o que Fernando julgava acertado e próprio. Assim, suas dúvidas agora tornavam-se certezas, tudo muito justo, como devem  ser as relações entre um casal. Desta forma, havia semanas em que os dois encontravam-se apenas uma ou duas vezes, resultado, segundo ele,  que ela mesma provocava com suas notas.

Em conversa íntima com um colega de escritório, Fernando revelou-lhe suas desconfianças sobre Cristina. A partir de então, ficaram amigos muito próximos, e o companheiro prometeu ajudar-lhe no que fosse preciso.
Inclusive, naquela mesma noite haveria uma super festa, cheia das melhores putas, e  ele já estava convidado.  Muita bebida rolando, era só escolher e comer quem ele quisesse. Pela primeira vez ele iria traí-la, e isto o alegrava e excitava demais. Sentiu-se bem aliviado, quando computou no dia seguinte a sequência de notas baixas em sua planilha. Vingança das boas.

Passados já alguns anos deste namoro, Cristina se formou, viajou para o exterior, lá conheceu alguém e se casou.
Fernando, neste momento, estuda a criação de outros métodos mais eficazes para não ser passado pra trás.

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