Recentemente, realizei um sonho que parecia totalmente impossível no imaginário de uma menina pobre:
ver a Guernica, de perto.
Estranho isto, uma emoção que sempre me "cutucou", intrigou, e ao mesmo tempo fascinou.
Um desejo antigo, forte.
Chorei ali, no Museu da Rainha Sofia em Madrid.
E ainda estremeço agora, só de reviver tal momento.
Fui a um artigo antigo que escrevi sobre Picasso, cujo foco não é a Guernica, mas que diz um pouco desse artista genial, sobretudo no que o meu olhar apreendeu como mais marcante: o feminino em sua obra
Artista versátil, destacou-se não apenas na pintura, como também na escultura e cerâmica.
Sua genialidade é motivo de estudos de vários autores.
Impressiona-nos a todos, a forma com que Picasso retratou as mulheres em sua vasta obra. Imagens "deformadas", ainda assim, presença constante em sua pintura, de uma forma única e não sem rara beleza.
Personalidade controversa, um tanto tumultuada, numerosas relações amorosas, Pablo Picasso marcou uma época com seu estilo artístico, declarações corajosas e uma sensibilidade que para muitos foi considerada um tanto exacerbada, mas sobretudo, sempre engajado em questões sociais.
Fica-nos a pergunta, que relação é esta com o feminino, que o artista nos apresenta de forma tão estranha e peculiar? Sempre interrogando-as, elegendo-as como amantes e tempos depois destituindo-as desse lugar.
É sob a influência de seu pai que ele começa a desenhar e pintar, e "A morte da mulher destacada e fútil" é o registro de uma de suas primeiras obras, ainda bem jovem.
Que mulher é esta?
Um pouco de suas "fases":
O início do período azul é marcado pela morte (suicídio) de seu grande amigo, também pintor, Casagemas, e é quando ele começa a assinar seus trabalhos apenas como Picasso, deixando de lado seu nome completo de família, Pablo Ruiz y Picasso.
Aí, os temas são as pessoas infelizes, a morte, o abandono, a solidão e o desespero.
Muitas mulheres entre esposas (duas - Olga e Jaqueline), estiveram em sua vida.
Sua primeira paixão é Fernande Olivier, uma mulher casada, mas que permanece com o pintor por sete anos.
É então que o período rosa se inicia, e o circo, bailarinos, famílias de saltimbancos e mulheres com seus bebês colorem sua obra.
Juntos, o amor e o infantil, retratados em tons do rosa e vermelho, bastante luminosos.
Já no fim desse período, Picasso pinta o rosto de Gertrude Stein (escritora e mecenas), poderosa e imponente.
Ela posa incessantemente, mas o pintor não se dá por satisfeito. Em um dado momento, ele deixa de lado este trabalho, e algum tempo depois, retoma-o e transforma o seu rosto em uma máscara africana.
Sua entrada na fase cubista é marcada pela influência africana, com rituais primitivos e tribais, máscaras, e uma abundância do geometrismo. Quase sempre do feminino.
UMA BREVE ANÁLISE:
O corpo e o rosto das mulheres pintadas por Picasso, parecem-nos uma busca incessante de uma forma, um contorno.
Um certo desespero, talvez que com a falta de perspectiva de um apaziguamento, algo que venha definir-lhe o indizível de uma mulher.
Se a questão do feminino sempre fez um enigma para Freud, também para Picasso, tal não foi diferente.
Com a histérica, Freud funda a psicanálise, ou "talking cure", deixando falar suas pacientes, tecendo fios de meada através de suas queixas e insatisfações intermináveis.
Bastava deixar que elas falassem, e então, apreender o seu ponto de partida; e sua demanda iria sempre aparecer num questionamento sobre a sua feminilidade.
Picasso segue sua vida "falando" através de suas telas. Tentativas (magistrais), de tecer um discurso/saber sobre a questão. Pinta exaustivamente o feminino, e ali tenta dar-lhe uma forma, um contorno, tal como lhe parece possível em seu imaginário. Não encontrando a "sua" resposta, deforma-o em suas representações, "derruba-o" em paixões desenfreadas, que desfilam por sua vida.
Nenhuma delas pode dar-lhe em amor, o que ele realmente necessita.
Guernica me parece o ponto final em sua busca, num encontro não com o amor, mas com o bestial inexorável em todos os seres humanos.
O seu caminho aparece traçado desde criança, quando vai a seu pai e lhe endereça a sua questão.
Este lhe aponta uma resposta como solução à sua angústia:
-"PINTE" !!!
Foi o que melhor conseguiu fazer, e o mundo agradece.
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