segunda-feira, 16 de abril de 2012

A Ambulância



Uma ambulância chegou à minha rua, com a sirene ligada, aquela coisa angustiante.
É assim, fico em pânico, torcendo para que a doença ou a morte estejam bem longe de mim.
Um alívio quando escuto tal barulho distanciar-se.
Hoje, ela parou por aqui.
Além do que, chovia forte, era de tarde, mas parecia noite no céu.

Fui à janela, com os passos vacilantes de uma criança com medo do escuro e de fantasmas.
Durante algum tempo, fiquei olhando a movimentação dos homens da ambulância.
Vestidos de verde, foram retirando algumas coisas ensacadas, até que, sem pressa alguma, puxaram uma maca, e sobre ela dispuseram os pequenos embrulhos.

Fiquei atenta, e só pude pensar que não iriam colocar alguém na maca, depois de utilizá-la como suporte para todo aquele material.
Tudo isto, acho que para distanciar-me do assunto principal.
Coisas da higiene e da esterilização da doença, vieram salvar-me de um real insuportável
Pode isto?
Pensamentos substitutos.

Como um bom reforço, achei por bem sair da janela, pois olhar mais do que vi, seria pura curiosidade, coisa que eu condeno.
Na verdade, não quis ver o desfecho.
Não fazer parte da platéia dos espetáculos da miséria humana afasta-me da minhas.

A pessoa ali, sendo transportada e sem saber se retorna.
Entregue, impotente, e algumas vezes com os olhos a dizer, chegou a minha vez, não, decididamente abomino isto.
Ou a ameaça de ter que enfrentar tal possibilidade em meu futuro?

Pensando bem, a gente vai sempre arrumando defesas, e delas formamos diversas opiniões.
Bom saber disto.

Quantas vezes já não me vi entregue, impotente e desamparada?
Experiência vencida, melhor não falar dela, melhor proteger dos olhares alheios tanta dor.
É isto, evito olhar e condeno quem o faz.
Acho até, que é deste material que é feito o tal do politicamente correto.

Fiquei lendo por um tempo, e bem mais tarde lembrei-me de voltar à janela.
Tudo calmo, a chuva parou, a ambulância não está mais ali, e já chega de análises.

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