segunda-feira, 16 de abril de 2012

Alada

É certo que ninguém a percebia caminhando pelas ruas. Circulava em silêncio, entre sombras, como se seus passos fossem de plumas.

Ela voa?

Não se sabe, nunca mostrou suas asas. Ou elas se escondiam em véus de cores tristes como seu rosto? Dizem que ela jamais sorriu. Corriam rumores de que ela era encantada, e que havia um brilho mágico em seu olhar que só as crianças podiam ver.

Magra e muito ágil, o tempo de suas aparições era rápido, e num instante ela desaparecia, como certas sensações de medo durante a noite.

Conta-se que certa vez escutaram-lhe os soluços, tais como lamentos abafados pelo ruído das folhas que correm ao vento de outono. Uma noite inteira. Mas isto era só dela, pois que jamais se soube que destinos teriam sua vida, se era assim que ela falava aos seus fantasmas.

Cogitou-se em um passado de muitos amores. Como um quebra-cabeças que todos se propunham a decifrar. Inútil, sem respostas.

Diziam que ela dançava sozinha, exalando um perfume suave em seus movimentos. Imaginavam coisas, inventavam os seus dias.

Houve um tempo de muita chuva, alagando os caminhos que se cruzavam entre todos. Só poderia ser um feitiço dela. Fizeram filas em romaria diante de sua casa, esbravejaram palavras de ordem. Mas ela não apareceu. Apenas um ligeiro movimento das cortinas que balançavam ao ar úmido do estio.

Os mais sábios e poderosos do lugar, decidiram examinar de perto as origens da estranha que talvez voasse. Fariam inquéritos, votariam propostas e decidiriam o seu futuro. Para isto, ela seria intimada a comparecer e contar em detalhes os mistérios de sua leveza. Juntaram papéis, numa escrita interminável de todos os seus passos. Expediram ordens, marcaram datas para o seu comparecimento. Sem conclusões finais, porque na manhã de seu julgamento, eis que todos os papéis e pastas desapareceram. Atônitos, jurados e juizes viram num cantinho da sala um monte de pó que ameaçava voar pelas janelas entreabertas, tal qual a ré em suas caminhadas pela cidade.

Etérea bailarina, alada em seus sonhos, visão insuportável.

Sua história teve um princípio desconhecido de todos. No lugar onde morou, as pessoas ficaram velhas e algumas morreram, sem nada saber.

Nas anotações oficiais, consta que ela desapareceu numa manhã de verão ensolarada. Por toda a cidade ouviram notas distantes de um piano.

E juram que era Chopin.

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