Uma das melhores coisas que já li até hoje.
Uma descoberta linda da escritora portuguesa LÍDIA JORGE.
Recomendo, imperdível.
Leia o texto de Luiz Ruffato para o romance de Lídia Jorge que arrebatou o Prêmio Jean Monet, da Comunidade Econômica Européia.
Luiz Ruffato *
Uma personagem sem nome protagoniza este romance, A manta do soldado,
que se constrói em camadas, como se a autora, a portuguesa Lídia Jorge,
conduzisse-nos para dentro de uma casa sem luz elétrica, no
lusco-fusco, e fosse-nos dado conhecê-la pouco a pouco, a luz
bruxuleante de uma lamparina inaugurando espantos. No começo, tudo é
nebuloso, perdidos que estamos entre brumas. Com o passar das páginas,
no entanto, nossa vista acostuma-se e aqui deciframos um móvel, ali uma
paisagem, acolá personagens que se vão despertando do sono da memória.
E, juntos, a autora e o leitor, mergulhamos na noite.
Publicado em 1998, originalmente com o título de O Vale da Paixão, A Manta do Soldado é mais uma prova do vigor da atual literatura portuguesa. Agraciado com o Prêmio Jean Monet, da Comunidade Econômica Européia, este é um livro de prestação de contas: de Lídia Jorge com suas obsessões; de Lídia Jorge com seu país. Segundo a própria autora, esta “é a história da ascensão e queda de uma casa rural portuguesa face a um destino sem destino”.
Situada a narrativa no espaço geográfico imaginário de Valmares, no Algarves, sul de Portugal, a trama desenvolve-se a partir de uma visita que a narradora, inominada, recebe no inverno de 1963. Esse (re)encontro entre a menina e seu tio, Walter Dias, na verdade seu pai biológico, desencadeia uma profunda reflexão sobre raízes, num magnífico ir e vir, no qual passado e presente são embaralhados e reembaralhados, como no início de um jogo de cartas. Ficamos paulatinamente conhecendo a família Dias, cujo patriarca, Francisco, arroga-se direitos medievais sobre os descendentes, e, mais nuclearmente, Custódio, Walter e Maria Ema, atores de uma tragédia.
Walter, o caçula, rebela-se contra o atraso, o autoritarismo, o moralismo da Casa de Valmares. Mas paga um preço altíssimo por isso: é condenado a vagar pela Terra, qual um novo Ahaverus, arrastando culpa e solidão. Custódio, o coxo, primogênito dos Dias, é obrigado a se casar com Maria Ema, engravidada pelo irmão, para salvar a honra da família. A partir desse enredo, Lídia Jorge, com maestria, ergue uma catedral de silêncios e purgações.
A única coisa que Walter consegue deixar como marca de sua passagem – e servir como ponte de lembranças para a sobrinha/filha – é uma “manta de caserna, dois metros quadrados de fazenda grossa, debruada a linha parda”, onde se podia ler que “pertenceu ao recruta 687 de 45, (...) conhecido pelo assobio, pelo andar e pelos animais que desenhava, (...)”.
É a trajetória dessa manta, que trazia em si conformado o corpo daquele que a usou, que Lídia Jorge refaz, lembrando os melhores momentos do melhor Faulkner.
Publicado em 1998, originalmente com o título de O Vale da Paixão, A Manta do Soldado é mais uma prova do vigor da atual literatura portuguesa. Agraciado com o Prêmio Jean Monet, da Comunidade Econômica Européia, este é um livro de prestação de contas: de Lídia Jorge com suas obsessões; de Lídia Jorge com seu país. Segundo a própria autora, esta “é a história da ascensão e queda de uma casa rural portuguesa face a um destino sem destino”.
Situada a narrativa no espaço geográfico imaginário de Valmares, no Algarves, sul de Portugal, a trama desenvolve-se a partir de uma visita que a narradora, inominada, recebe no inverno de 1963. Esse (re)encontro entre a menina e seu tio, Walter Dias, na verdade seu pai biológico, desencadeia uma profunda reflexão sobre raízes, num magnífico ir e vir, no qual passado e presente são embaralhados e reembaralhados, como no início de um jogo de cartas. Ficamos paulatinamente conhecendo a família Dias, cujo patriarca, Francisco, arroga-se direitos medievais sobre os descendentes, e, mais nuclearmente, Custódio, Walter e Maria Ema, atores de uma tragédia.
Walter, o caçula, rebela-se contra o atraso, o autoritarismo, o moralismo da Casa de Valmares. Mas paga um preço altíssimo por isso: é condenado a vagar pela Terra, qual um novo Ahaverus, arrastando culpa e solidão. Custódio, o coxo, primogênito dos Dias, é obrigado a se casar com Maria Ema, engravidada pelo irmão, para salvar a honra da família. A partir desse enredo, Lídia Jorge, com maestria, ergue uma catedral de silêncios e purgações.
A única coisa que Walter consegue deixar como marca de sua passagem – e servir como ponte de lembranças para a sobrinha/filha – é uma “manta de caserna, dois metros quadrados de fazenda grossa, debruada a linha parda”, onde se podia ler que “pertenceu ao recruta 687 de 45, (...) conhecido pelo assobio, pelo andar e pelos animais que desenhava, (...)”.
É a trajetória dessa manta, que trazia em si conformado o corpo daquele que a usou, que Lídia Jorge refaz, lembrando os melhores momentos do melhor Faulkner.
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