segunda-feira, 16 de abril de 2012

LIVRO (inédito) - O Coração Amarelo - Pablo Neruda


Pablo Neruda deixou ao morrer, oito livros inéditos de poesia, escritos quase simultaneamente.
"O Coração Amarelo", "Livro das Perguntas","Elegia", "A Rosa Separada", "Jardim de Inverno", "2000", ""O Mar e os Sinos", "Defeitos Escolhidos".
Nos poemas de O Coração Amarelo estão presentes os temas preferidos do autor - amor - amizade - reminiscências do passado.
Mas percebe-se também nestes versos, uma nota leve, bem humorada e melancólica, como uma despedida de uma grande vida, ou um prenúncio dos negros tempos da ditadura pela qual, seu país, o Chile, passaria.

Aqui, transcrevo alguns poemas do "Coração Amarelo".
OUTRO
De tanto andar uma região
que não figurava nos livros
acostumei-me às terras tenazes
em que ninguém me perguntava
se me agradavam a alfaces
ou se preferia a menta
que devoram os elefantes.
E de tanto não responder
tenho o coração amarelo.

UM
Por incompleto e fusiforme
me entendi com as agulhas
e logo me foram fiando
sem haver nunca terminado.

Por isso o amor que te dou,
minha mulher, mulher agulha,
se enrola em tua orelha molhada
pelo vendaval do Chillán
e se desenrola em teus olhos
desatando melancolias.

Não acho explicação amável
pra meu destino intermitente,
vaidade me conduzia
a inauditos heroismos:
pescar debaixo da areia,
fazer buracos no ar,
comer mesmo todos os sinos.
E no entanto fiz pouco
ou não fiz nada no entanto
senão entrar por uma guitarra e com ela sair cantando.

INTEGRAÇÕES (lindo)
Depois de tudo te amarei
como se fosse sempre antes
como se de tanto esperar
sem que te visse nem chegasses
estivesses eternamente
respirando perto de mim.

perto de mim com teus hábitos,
teu colorido e tua guitarra
como estão juntos os países
nas lições escolares
e duas comarcas se confundem
e há um rio perto de um rio
e crescem juntos dois vulcões.

Perto de ti é perto de mim
e longe de tudo é tua ausência
e é cor de argila a lua
na noite do teremoto
quando no terror da terra
juntam-se todas as raízes
e ouve-se soar o silêncio
com a música do espanto.
O medo é também um caminho.
E entre suas pedras pavorosas
pode marchar com quatro pés
e quatro lábios a ternura.
Porque sem sair do presente
que é um anel delicado
tocamos a areia de ontem
e no mar ensina o amor
um arrebatamento repetido.

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