Mito, segundo Houaiss, quer dizer:
1-relato fantástico protagonizado por seres de caráter divino ou heróico que encarnam as forças da natureza ou os aspectos gerais da condição humana; lenda, fábula.
2-crença ou tradição popular que surge em torno de algo ou alguém.
3-uma noção falsa ou não comprovada.
Freud destacava que "os mitos mostram uma "ignorância consciente e uma sabedoria inconsciente".
Nós, seres humanos, circulamos entre um "logos" (razão), e o mito, mythos do grego, (que se enuncia sem se justificar), e é daí que advém o nosso equilíbrio emocional.
O mito é da ordem de um simbólico, ou seja, dele, temos representações que nos são transmitidas, e às quais ajuntamos as nossas próprias.
Marilyn era uma mulher belíssima, que perpetuou um apelo sensual no imaginário masculino desde a sua época, e nas mulheres, o ideal de um feminino a ser buscado.
Tornou-se um mito, um MITO SEXUAL.
Quer seja em suas inúmeras trocas de parceiros, ou nas aparições bombásticas em fotos e filmes de Hollywood, o lugar da imagem, do glamour, do sonho. É aí que ela vive a sua "história", os seus amores, a sua trágica e precoce queda.
Interessante remarcar aqui, o fracasso de todas as relações em que ela se envolvia.
Não vou dizer de sua biografia, recontar os fatos já por demais conhecidos. Sim, pois que o interesse ávido pelo conhecimento de seus passos, sucessos, e a sua morte, já foram exaustivamente "explorados" pela mídia mundial.
Tento aqui, numa breve reflexão, responder a algumas questões que me interrogam.
Sigo com uma visão psicanalítica, sem porém, deter-me em conceitos que não estejam ao alcance do leigo.
Ao nascer, a identidade de seu pai é desconhecida. Sua mãe, declarada com "problemas psicológicos", é levada a uma instituição psiquiátrica. Assim, sua infância é passada em lares que a "acolhiam" e orfanatos. Os relatos dizem de violências, abusos, pais alcoólatras, e rejeições. Sua última experiência "familiar", foi num lar de conhecidos, em que, a certa altura, estando de mudança, comunicaram-lhe que não teriam condições financeiras de levá-la. É então que ela se casa com um namorado, aos 17 anos. Esta é a primeira de uma sequência em sua busca de uma relação amorosa com o sexo masculino. Daí em diante, há uma história, que como já disse, conhecida por todos nós.
A questão do feminino marcou todo o percurso da obra freudiana e da própria psicanálise. Em 1932, ele afirma: "A psicanálise não pretende descrever o que é a mulher, mas como advém. Ou seja, como a mulher se desenvolve a partir de uma disposição bissexual" .
Tal afirmativa sobre o feminino, implica uma CONSTRUÇÃO, a partir de uma relação mãe/filha. Implica em uma passagem crucial pelo Complexo de Édipo, e só então, uma identidade sexual possível.
Ou seja, resumindo, o tornar-se mulher é uma "construção".
Não se trata aqui, da diferença de gêneros, homem/mulher, esta, uma diferença anatômica, biológica. Trata-se de um comportamento masculino ou feminino.
O que trazemos de todas estas experiências ao analista é denominado de um "romance familiar".
O que teria sido o ponto de partida de um "romance familiar" para Marilyn? O pai desconhecido, afastada da mãe desde a infância.
A que figura feminina (entre os inúmeros lares em que esteve), a que mãe ou pai, ela se dirigiu buscando um modelo, pelos caminhos de sua história?
De tudo o que sabemos, ficou-lhe um corpo como modelo único da sedução, numa busca repetitiva, alvo dos olhares do mundo; um rosto, marcado por um olhar súplice, infantil, na minha opinião, convidando à criança, olhar este, que foi desde sempre entendido como um convite ao sexual.
Os dois, o corpo e o rosto belíssimos, unidos num mesmo apelo, ou seja, o apelo da criança. Daí, o "fantástico", o "irresistível", o mito. Mito guardado em cada um de nós, o da fantasia.
Foi assim que ela buscou o amor, e claro, nunca satisfeito. O corpo oferecido como um pedaço de carne ao mundo. Dele se serviram alguns homens, chegando às raias de um brinquedinho, como o fizeram os irmãos Kennedy. Ora com Bob, ora com John. Alguns se compadeceram e tentaram fazer um pai, um amigo, mas era preciso buscar mais ... mais.
Uma vítima? Sim, mas uma vítima de suas próprias escolhas, ou seja, de buscar nas relações amorosas o modelo de abuso e abandono que permeou sua infância.
Circulando neste impossível, veio o álcool, os soníferos, o desejo de adormecer, tamponar um "vazio", que incontornável, insistia em sua busca. Algumas tentativas de suicídio se descortinaram como uma saída, um fim a tanto desespero.
Houve um momento, em que este "corpo/rosto" bonito, ensaiou uma construção da mulher, quando em alguns filmes ela mostrou um "além" do pedaço de carne. Uma borda ao vazio: seu talento como atriz. Mas tal não foi eficaz, não se sustentou.
Já no final de sua vida, Marilyn Monroe fez um ensaio fotográfico em que ela se mostra "desvelada" do mito, sem truques de maquiagem, algumas rugas, e, numa das fotos (abaixo), ela diz ao fotógrafo que não quer esconder uma "cicatriz" que traz em seu ventre. Ei-la, mostrando ao mundo uma "marca", "a borda", "o desenho", "o contorno" possível ao seu vazio como mulher. Ele só lhe foi possível no real, no seu próprio corpo.
Seu feminino poderia ser elaborado simbolicamente, em outras construções...que lhe escaparam, impossíveis.
Somente a morte faria calar o grito do "mito".
Incoerência??? É assim que buscamos vê-la. É assim que sua imagem se "congelou" perante o mundo.
UMA NOTA FINAL:
Quando pensei em escrever sobre a Marilyn Monroe, busquei alguns artigos que diziam de sua vida, alguns escritos médicos, e, em quase todos, eu me deparei "estarrecida" com tentativas de "classificações", diagnósticos que a colocassem dentro de um "quadro patológico" já estabelecido pelos anais científicos. É possível até, que ela esteja dentro de alguma destas "patologias".
Mas a meu ver, era um grito a ser escutado mais cuidadosamente.
É exatamente ao que assistimos no mundo moderno, onde entorpecentes fazem "calar" milhares de "discursos depressivos"que precisariam ser "escutados".
Na sociedade capitalista não cabem os "fracassados", os "inadaptados".
Onde o "logos" não dá conta, que prevaleça o "mito". Aliás, o mito não pode ser desvelado impunemente.
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