Só assim compreendo a vida ... Aqui estão algumas observações que fui coletando em meus escritos e registrando em imagens. Existe sempre a possibilidade de uma re-leitura ...
quinta-feira, 26 de abril de 2012
domingo, 22 de abril de 2012
Traição
Fernando atravessou a rua apressado.
Irritava-o o movimento intenso de carros e ônibus àquela hora.
Sempre assim, tentava sair mais cedo de seu trabalho, mas havia ainda o que fazer, ordens ditadas à última hora por seu chefe.
Irritava-o o movimento intenso de carros e ônibus àquela hora.
Sempre assim, tentava sair mais cedo de seu trabalho, mas havia ainda o que fazer, ordens ditadas à última hora por seu chefe.
Havia já dois anos desde que se formara, e ele ocupava um bom cargo numa empresa de auditoria.
Sentia-se orgulhoso de seu emprego, jovem ainda, já reconhecido na área e com um bom salário.
Sentia-se orgulhoso de seu emprego, jovem ainda, já reconhecido na área e com um bom salário.
Não se arrependia de ter seguido os conselhos de seu pai ao cursar economia.
Embora tivesse esboçado alguma vontade de ser médico em sua juventude, acabou por ceder à voz da sabedoria e experiência.
Aliás, ele e seus dois irmãos mais velhos e já casados, nunca questionaram nada durante as reuniões em casa, no escritório do pai, repleto de livros de direito.
Advogado brilhante e austero, de poucas palavras, respeitado e temido por todos da família.
Bem verdade que sua mãe, algumas vezes, sorria-lhe timidamente ao término de algumas destas reuniões, mas Fernando, sem entender, nunca fez muito caso.
Embora tivesse esboçado alguma vontade de ser médico em sua juventude, acabou por ceder à voz da sabedoria e experiência.
Aliás, ele e seus dois irmãos mais velhos e já casados, nunca questionaram nada durante as reuniões em casa, no escritório do pai, repleto de livros de direito.
Advogado brilhante e austero, de poucas palavras, respeitado e temido por todos da família.
Bem verdade que sua mãe, algumas vezes, sorria-lhe timidamente ao término de algumas destas reuniões, mas Fernando, sem entender, nunca fez muito caso.
Hoje, terça feira, era dia de ver a namorada. Costumavam lanchar juntos, e depois, ele a levava à universidade em seu carro. Ela o esperava à porta do edifício onde morava, seguiam até à lanchonete da esquina, e após comerem e trocarem rápidos carinhos, rumavam para a faculdade.
Terminadas as aulas, esperava-a à saída e levava-a de volta para casa.
Bem mais jovem do que ele, Cristina parecia uma adolescente, bonita e muito provocante, o que desgostava profundamente a Fernando. Os homens olhavam-na com olhares desejosos de sexo, o que por vezes terminava em cenas violentas de ciúmes. Ele habituou-se a acompanhar pelo canto dos olhos, todos os movimentos da namorada, seguindo e interpretando à sua maneira, cada pequeno gesto que ela fazia.
Tais acontecimentos terminaram por pautar e dimensionar a forma com que Fernando deveria tratá-la. Estavam pensando em ficar noivos, e Fernando já havia mesmo avisado aos pais dela que iriam se casar. Ele comprou um apartamento, e algumas vezes, era lá que faziam amor, nos fins de semana em que ficavam mais tempo juntos. Ali colocaram um colchão, alguns utensílios necessários de cozinha, e ficavam sonhando a vida de casados que estava por chegar. Nestes momentos, Fernando era só amor, dedicação.
O inferno era sair à rua com Cristina. Os homens olhando, e ele cada vez mais certo de que ela retribuía tais olhares. Nas últimas semanas, resolveu seguí-la à distância, chegando mais cedo à universidade e num canto mais escuro do estacionamento, ficava de olho para ver se ela conversava com alguém. Quando algo de suspeito acontecia, Fernando pedia explicações, acusava-a e explodia em acessos de muita raiva. Nestes momentos, ameaçava-a de não mais se casar, de deixá-la para sempre. O que fez algumas vezes, mas cedendo sempre aos apelos chorosos de Cristina ao telefone, acabava voltando.
Para melhor controlar seus carinhos e sua presença junto à namorada, ele criou uma planilha no excel, e ali, ía dando notas diárias aos diversos comportamentos manifestados por ela. Por exemplo, ao se falarem ao telefone à hora do almoço, havia dias em que ela estava carinhosa, doce e muito terna; outras vezes, no encontro noturno, ela se vestia em decotes e saias curtas; as notas seguiam de acordo com o que Fernando julgava acertado e próprio. Assim, suas dúvidas agora tornavam-se certezas, tudo muito justo, como devem ser as relações entre um casal. Desta forma, havia semanas em que os dois encontravam-se apenas uma ou duas vezes, resultado, segundo ele, que ela mesma provocava com suas notas.
Em conversa íntima com um colega de escritório, Fernando revelou-lhe suas desconfianças sobre Cristina. A partir de então, ficaram amigos muito próximos, e o companheiro prometeu ajudar-lhe no que fosse preciso.
Inclusive, naquela mesma noite haveria uma super festa, cheia das melhores putas, e ele já estava convidado. Muita
bebida rolando, era só escolher e comer quem ele quisesse. Pela
primeira vez ele iria traí-la, e isto o alegrava e excitava demais.
Sentiu-se bem aliviado, quando computou no dia seguinte a sequência de
notas baixas em sua planilha. Vingança das boas.
Passados já alguns anos deste namoro, Cristina se formou, viajou para o exterior, lá conheceu alguém e se casou.
Fernando, neste momento, estuda a criação de outros métodos mais eficazes para não ser passado pra trás.
sábado, 21 de abril de 2012
LIVRO: A Manta do soldado - Lídia Jorge
Uma das melhores coisas que já li até hoje.
Uma descoberta linda da escritora portuguesa LÍDIA JORGE.
Recomendo, imperdível.
Leia o texto de Luiz Ruffato para o romance de Lídia Jorge que arrebatou o Prêmio Jean Monet, da Comunidade Econômica Européia.
Luiz Ruffato *
Uma personagem sem nome protagoniza este romance, A manta do soldado,
que se constrói em camadas, como se a autora, a portuguesa Lídia Jorge,
conduzisse-nos para dentro de uma casa sem luz elétrica, no
lusco-fusco, e fosse-nos dado conhecê-la pouco a pouco, a luz
bruxuleante de uma lamparina inaugurando espantos. No começo, tudo é
nebuloso, perdidos que estamos entre brumas. Com o passar das páginas,
no entanto, nossa vista acostuma-se e aqui deciframos um móvel, ali uma
paisagem, acolá personagens que se vão despertando do sono da memória.
E, juntos, a autora e o leitor, mergulhamos na noite.
Publicado em 1998, originalmente com o título de O Vale da Paixão, A Manta do Soldado é mais uma prova do vigor da atual literatura portuguesa. Agraciado com o Prêmio Jean Monet, da Comunidade Econômica Européia, este é um livro de prestação de contas: de Lídia Jorge com suas obsessões; de Lídia Jorge com seu país. Segundo a própria autora, esta “é a história da ascensão e queda de uma casa rural portuguesa face a um destino sem destino”.
Situada a narrativa no espaço geográfico imaginário de Valmares, no Algarves, sul de Portugal, a trama desenvolve-se a partir de uma visita que a narradora, inominada, recebe no inverno de 1963. Esse (re)encontro entre a menina e seu tio, Walter Dias, na verdade seu pai biológico, desencadeia uma profunda reflexão sobre raízes, num magnífico ir e vir, no qual passado e presente são embaralhados e reembaralhados, como no início de um jogo de cartas. Ficamos paulatinamente conhecendo a família Dias, cujo patriarca, Francisco, arroga-se direitos medievais sobre os descendentes, e, mais nuclearmente, Custódio, Walter e Maria Ema, atores de uma tragédia.
Walter, o caçula, rebela-se contra o atraso, o autoritarismo, o moralismo da Casa de Valmares. Mas paga um preço altíssimo por isso: é condenado a vagar pela Terra, qual um novo Ahaverus, arrastando culpa e solidão. Custódio, o coxo, primogênito dos Dias, é obrigado a se casar com Maria Ema, engravidada pelo irmão, para salvar a honra da família. A partir desse enredo, Lídia Jorge, com maestria, ergue uma catedral de silêncios e purgações.
A única coisa que Walter consegue deixar como marca de sua passagem – e servir como ponte de lembranças para a sobrinha/filha – é uma “manta de caserna, dois metros quadrados de fazenda grossa, debruada a linha parda”, onde se podia ler que “pertenceu ao recruta 687 de 45, (...) conhecido pelo assobio, pelo andar e pelos animais que desenhava, (...)”.
É a trajetória dessa manta, que trazia em si conformado o corpo daquele que a usou, que Lídia Jorge refaz, lembrando os melhores momentos do melhor Faulkner.
Publicado em 1998, originalmente com o título de O Vale da Paixão, A Manta do Soldado é mais uma prova do vigor da atual literatura portuguesa. Agraciado com o Prêmio Jean Monet, da Comunidade Econômica Européia, este é um livro de prestação de contas: de Lídia Jorge com suas obsessões; de Lídia Jorge com seu país. Segundo a própria autora, esta “é a história da ascensão e queda de uma casa rural portuguesa face a um destino sem destino”.
Situada a narrativa no espaço geográfico imaginário de Valmares, no Algarves, sul de Portugal, a trama desenvolve-se a partir de uma visita que a narradora, inominada, recebe no inverno de 1963. Esse (re)encontro entre a menina e seu tio, Walter Dias, na verdade seu pai biológico, desencadeia uma profunda reflexão sobre raízes, num magnífico ir e vir, no qual passado e presente são embaralhados e reembaralhados, como no início de um jogo de cartas. Ficamos paulatinamente conhecendo a família Dias, cujo patriarca, Francisco, arroga-se direitos medievais sobre os descendentes, e, mais nuclearmente, Custódio, Walter e Maria Ema, atores de uma tragédia.
Walter, o caçula, rebela-se contra o atraso, o autoritarismo, o moralismo da Casa de Valmares. Mas paga um preço altíssimo por isso: é condenado a vagar pela Terra, qual um novo Ahaverus, arrastando culpa e solidão. Custódio, o coxo, primogênito dos Dias, é obrigado a se casar com Maria Ema, engravidada pelo irmão, para salvar a honra da família. A partir desse enredo, Lídia Jorge, com maestria, ergue uma catedral de silêncios e purgações.
A única coisa que Walter consegue deixar como marca de sua passagem – e servir como ponte de lembranças para a sobrinha/filha – é uma “manta de caserna, dois metros quadrados de fazenda grossa, debruada a linha parda”, onde se podia ler que “pertenceu ao recruta 687 de 45, (...) conhecido pelo assobio, pelo andar e pelos animais que desenhava, (...)”.
É a trajetória dessa manta, que trazia em si conformado o corpo daquele que a usou, que Lídia Jorge refaz, lembrando os melhores momentos do melhor Faulkner.
LIVRO: Carmem e outros contos - Prosper Mérimée
Gosto
muito de "visitar" uma exposição permanente de livros que ficam à
porta de uma livraria perto de meu consultório. Ali estão, em promoções
ótimas, com preços irresistíveis.
Claro, é preciso "garimpar", ter
paciência, e o prêmio costuma ser alguns tesouros a 10,00.
Foi o que paguei pela obra prima que acabo de ler.
O achado mais recente: "Carmem e Outros Contos" , de Prosper Mérimée.
"Carmen", que Bizet transformou na famosa ópera, e os outros, inacreditavelmente fantásticos.
E
uma observação, apesar de "Carmem" ter sido o seu mais conhecido, há
outros, que na minha opinião o superam em finura de espírito e no drama
psicológico. Aliás, é bem aí que ele é mestre.
Prosper
Mérimée nasceu em Paris, foi arqueólogo, historiador, formou-se em
Direito, e escritor.
Sua escrita mescla os seus conhecimentos
profissionais, que com muita inteligência e sensibilidade os insere em
cada um de seus contos.
Situa suas histórias na Espanha, na Rússia,
Itália, França, e nesta, com críticas mordazes e veladas aos costumes de
época e à intimidade sem censuras dos personagens.
Não nos é difícil
visitar com ele cada um destes lugares e conhecer na essência, cada um
dos personagens.
Um
livro excelente, um dos melhores contistas que já li até hoje.
Os contos do livro:
-CARMEM
-MATEO FALCONE (ambientado na Córsega, com todas as nuances dos códigos de honra e hábitos locais - fantástico)
-TAMANGO
-O VASO ETRUSCO
-A PARTIDA DE GAMÃO
-A VÊNUS DE ILLE
-IL VICCOLO DI MADAMA LUCREZIA
-O QUARTO AZUL
-O MANUSCRITO DO PROFESSOR WITTENBACH
Sinceramente, não consigo dizer qual gostei mais.
Julgo mais do que necessário recomendá-lo aos amigos como uma leitura URGENTE.
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sexta-feira, 20 de abril de 2012
LIVRO: O diamante do tamanho do Ritz e outros contos - F. Scott Fitzgerald
Para quem já é familiarizado à obra do autor, os contos não trazem novidade alguma.
Seguem a mesma crítica social, os mesmos personagens com
suas taças de champagne, e todo um glamour.
Uma repetição sistemática.
O conto que dá o nome ao título do livro, “O Diamante do
tamanho do Ritz”, trata da história de um jovem nascido numa cidade do
interior, Hades, e que vai estudar em Boston, dando vazão a todos os seus
anseios de pertencer a uma classe social mais elevada.
Apesar de ser citado como um dos melhores momentos do humor
ferino de Fitzgerald, com peripécias e malabarismos tecnológicos mil, nem assim consegue ser uma grande leitura.
“Bernice corta o cabelo” é o segundo, e descreve a falta
de escrúpulos de uma jovem muito popular na cidade onde mora, em relação à sua
prima, mais simples e pobre que vem visitá-la.
O último, “O palácio de gelo”, narra as dúvidas de uma jovem
sulista, entre o amor a um ianque e o ter que abandonar suas raízes e tradições
Com as Mãos da Criança
Queria ter lhe encontrado antigamente.
Minhas mãos de criança lhe dariam os trevos pequeninos
colhidos em jardins de sonhos.
Brincaríamos de esconde-esconde às gritarias e gargalhadas.
Correríamos pelas ruas em meio à molecada atrevida.
Iríamos juntos às matinês de domingo com roupas novas e bem penteados.
Depois, você veria minha adolescente chegar, desajeitada, magrela, só pernas e braços.
Eu lhe faria meus primeiros passos de ballet, de piruetas mágicas,
a lhe convidar aos meus voos sem fim.
Teríamos beijos roubados e consentidos, carinhos escondidos e proibidos.
Falaríamos de planos e juraríamos uma vida eterna.
Até um grande momento de nossa experiência sexual.
A primeira.
Meu corpo se abrindo ao seu.
Liberdades crescentes, entrega total.
Sem percebermos, estaríamos lado a lado, num tempo infinito.
Esse tempo que sinto hoje a me invadir.
No corpo da mulher.
Às vezes cansado, às vezes triste.
Só sei construir toda esta vida com você.
Sou a menina que muito lhe desejou.
A mulher que lhe faz presente num passado.
Vou juntando minhas lembranças e projetando-as no futuro.
A seu lado.
Onde sempre estive.
Minhas mãos de criança lhe dariam os trevos pequeninos
colhidos em jardins de sonhos.
Brincaríamos de esconde-esconde às gritarias e gargalhadas.
Correríamos pelas ruas em meio à molecada atrevida.
Iríamos juntos às matinês de domingo com roupas novas e bem penteados.
Depois, você veria minha adolescente chegar, desajeitada, magrela, só pernas e braços.
Eu lhe faria meus primeiros passos de ballet, de piruetas mágicas,
a lhe convidar aos meus voos sem fim.
Teríamos beijos roubados e consentidos, carinhos escondidos e proibidos.
Falaríamos de planos e juraríamos uma vida eterna.
Até um grande momento de nossa experiência sexual.
A primeira.
Meu corpo se abrindo ao seu.
Liberdades crescentes, entrega total.
Sem percebermos, estaríamos lado a lado, num tempo infinito.
Esse tempo que sinto hoje a me invadir.
No corpo da mulher.
Às vezes cansado, às vezes triste.
Só sei construir toda esta vida com você.
Sou a menina que muito lhe desejou.
A mulher que lhe faz presente num passado.
Vou juntando minhas lembranças e projetando-as no futuro.
A seu lado.
Onde sempre estive.
quinta-feira, 19 de abril de 2012
Pablo Picasso
Recentemente, realizei um sonho que parecia totalmente impossível no imaginário de uma menina pobre:
ver a Guernica, de perto.
Estranho isto, uma emoção que sempre me "cutucou", intrigou, e ao mesmo tempo fascinou.
Um desejo antigo, forte.
Chorei ali, no Museu da Rainha Sofia em Madrid.
E ainda estremeço agora, só de reviver tal momento.
Fui a um artigo antigo que escrevi sobre Picasso, cujo foco não é a Guernica, mas que diz um pouco desse artista genial, sobretudo no que o meu olhar apreendeu como mais marcante: o feminino em sua obra
Artista versátil, destacou-se não apenas na pintura, como também na escultura e cerâmica.
Sua genialidade é motivo de estudos de vários autores.
Impressiona-nos a todos, a forma com que Picasso retratou as mulheres em sua vasta obra. Imagens "deformadas", ainda assim, presença constante em sua pintura, de uma forma única e não sem rara beleza.
Personalidade controversa, um tanto tumultuada, numerosas relações amorosas, Pablo Picasso marcou uma época com seu estilo artístico, declarações corajosas e uma sensibilidade que para muitos foi considerada um tanto exacerbada, mas sobretudo, sempre engajado em questões sociais.
Fica-nos a pergunta, que relação é esta com o feminino, que o artista nos apresenta de forma tão estranha e peculiar? Sempre interrogando-as, elegendo-as como amantes e tempos depois destituindo-as desse lugar.
É sob a influência de seu pai que ele começa a desenhar e pintar, e "A morte da mulher destacada e fútil" é o registro de uma de suas primeiras obras, ainda bem jovem.
Que mulher é esta?
Um pouco de suas "fases":
O início do período azul é marcado pela morte (suicídio) de seu grande amigo, também pintor, Casagemas, e é quando ele começa a assinar seus trabalhos apenas como Picasso, deixando de lado seu nome completo de família, Pablo Ruiz y Picasso.
Aí, os temas são as pessoas infelizes, a morte, o abandono, a solidão e o desespero.
Muitas mulheres entre esposas (duas - Olga e Jaqueline), estiveram em sua vida.
Sua primeira paixão é Fernande Olivier, uma mulher casada, mas que permanece com o pintor por sete anos.
É então que o período rosa se inicia, e o circo, bailarinos, famílias de saltimbancos e mulheres com seus bebês colorem sua obra.
Juntos, o amor e o infantil, retratados em tons do rosa e vermelho, bastante luminosos.
Já no fim desse período, Picasso pinta o rosto de Gertrude Stein (escritora e mecenas), poderosa e imponente.
Ela posa incessantemente, mas o pintor não se dá por satisfeito. Em um dado momento, ele deixa de lado este trabalho, e algum tempo depois, retoma-o e transforma o seu rosto em uma máscara africana.
Sua entrada na fase cubista é marcada pela influência africana, com rituais primitivos e tribais, máscaras, e uma abundância do geometrismo. Quase sempre do feminino.
UMA BREVE ANÁLISE:
O corpo e o rosto das mulheres pintadas por Picasso, parecem-nos uma busca incessante de uma forma, um contorno.
Um certo desespero, talvez que com a falta de perspectiva de um apaziguamento, algo que venha definir-lhe o indizível de uma mulher.
Se a questão do feminino sempre fez um enigma para Freud, também para Picasso, tal não foi diferente.
Com a histérica, Freud funda a psicanálise, ou "talking cure", deixando falar suas pacientes, tecendo fios de meada através de suas queixas e insatisfações intermináveis.
Bastava deixar que elas falassem, e então, apreender o seu ponto de partida; e sua demanda iria sempre aparecer num questionamento sobre a sua feminilidade.
Picasso segue sua vida "falando" através de suas telas. Tentativas (magistrais), de tecer um discurso/saber sobre a questão. Pinta exaustivamente o feminino, e ali tenta dar-lhe uma forma, um contorno, tal como lhe parece possível em seu imaginário. Não encontrando a "sua" resposta, deforma-o em suas representações, "derruba-o" em paixões desenfreadas, que desfilam por sua vida.
Nenhuma delas pode dar-lhe em amor, o que ele realmente necessita.
Guernica me parece o ponto final em sua busca, num encontro não com o amor, mas com o bestial inexorável em todos os seres humanos.
O seu caminho aparece traçado desde criança, quando vai a seu pai e lhe endereça a sua questão.
Este lhe aponta uma resposta como solução à sua angústia:
-"PINTE" !!!
Foi o que melhor conseguiu fazer, e o mundo agradece.
quarta-feira, 18 de abril de 2012
FOTO: Ouro Preto - "LIBERTAS QUAE SERA TAMEN"
"Libertas Quase Sera Tamen", dístico em latim impresso na bandeira de Minas Gerais, significa “liberdade ainda que tardia” e nasceu em 1789, durante a Inconfidência Mineira, tentativa de transformar Minas Gerais em uma república separada de Portugal.
LIVRO: O Grande Gatsby - F. Scott Fitzgerald
É possível, sim, emocionar-se e encantar-se por mais de uma vez com a mesma obra, ou o estilo de um autor.
Li Fitzgerald ainda jovem, assim como assisti alguns filmes inspirados em seus livros.
Recentemente, li "Os Belos e Malditos" e gostei, ficando-me o desejo de retomar toda essa escrita fascinante.
Não vi o filme, "The Great Gatsby", que vou buscar urgente em alguma locadora.
Mas o livro, comprei-o em um aeroporto, inquieta com a espera e o trajeto de volta para casa.
Não vi mais o tempo passar, e a viagem transformou-se num "pulinho".
Terminei de lê-lo em menos de 24 horas, um fato inédito para mim.
"Gatsby acreditara na luzinha verde, naquele futuro orgiástico que ano após ano se afasta de nós. O futuro já nos iludiu tantas vezes, mas não importa...Amanhã correremos mais depressa e esticaremos nossos braços um pouco mais além até que, em uma bela manhã...
E assim nós prosseguiremos, barcos contra a corrente, empurrados incessantemente de volta ao passado".
Assim é o final de uma história, e dizer que tal história retrata fielmente os loucos anos 20 de uma geração americana, impactada pela guerra e com o início da industrialização, é um lugar comum, é repetir o que todos os críticos disseram sobre o que mais marcou a obra do escritor.
Dizem que o editor desse livro chegou a criticá-lo pela composição "vaga" do passado de Gatsby, dizendo-lhe que a história da ascensão social desse personagem teria que ser mais detalhada e elaborada. Mas Fitzgerald insistiu em fazê-lo de uma maneira passageira em um dos capítulos, reforçando a brevidade e a impossibilidade de um sonho, a saber, o seu próprio passado, um sonho americano.
Personagens frívolos, belos e glamourosos desfilam pelas festas de Gatsby, tal como a rapidez e impermanência de suas próprias vidas. Dali, nada se sustenta, a não ser a desilusão. Aí sim, o autor é rico em detalhes, interpondo muita beleza diante da cruel finalidade de vida de cada um.
Paixão, amor, cinismo e ambição, acontecem e mudam de lugar como num piscar de olhos.
A Gatsby, resta uma luzinha verde, esperança romântica do que poderia ter sido.
A Fitzgerald, apenas um vazio incontornável.
Grande obra, de um dos grandes autores americanos do século XX.
Li Fitzgerald ainda jovem, assim como assisti alguns filmes inspirados em seus livros.
Recentemente, li "Os Belos e Malditos" e gostei, ficando-me o desejo de retomar toda essa escrita fascinante.
Não vi o filme, "The Great Gatsby", que vou buscar urgente em alguma locadora.
Mas o livro, comprei-o em um aeroporto, inquieta com a espera e o trajeto de volta para casa.
Não vi mais o tempo passar, e a viagem transformou-se num "pulinho".
Terminei de lê-lo em menos de 24 horas, um fato inédito para mim.
"Gatsby acreditara na luzinha verde, naquele futuro orgiástico que ano após ano se afasta de nós. O futuro já nos iludiu tantas vezes, mas não importa...Amanhã correremos mais depressa e esticaremos nossos braços um pouco mais além até que, em uma bela manhã...
E assim nós prosseguiremos, barcos contra a corrente, empurrados incessantemente de volta ao passado".
Assim é o final de uma história, e dizer que tal história retrata fielmente os loucos anos 20 de uma geração americana, impactada pela guerra e com o início da industrialização, é um lugar comum, é repetir o que todos os críticos disseram sobre o que mais marcou a obra do escritor.
Dizem que o editor desse livro chegou a criticá-lo pela composição "vaga" do passado de Gatsby, dizendo-lhe que a história da ascensão social desse personagem teria que ser mais detalhada e elaborada. Mas Fitzgerald insistiu em fazê-lo de uma maneira passageira em um dos capítulos, reforçando a brevidade e a impossibilidade de um sonho, a saber, o seu próprio passado, um sonho americano.
Personagens frívolos, belos e glamourosos desfilam pelas festas de Gatsby, tal como a rapidez e impermanência de suas próprias vidas. Dali, nada se sustenta, a não ser a desilusão. Aí sim, o autor é rico em detalhes, interpondo muita beleza diante da cruel finalidade de vida de cada um.
Paixão, amor, cinismo e ambição, acontecem e mudam de lugar como num piscar de olhos.
A Gatsby, resta uma luzinha verde, esperança romântica do que poderia ter sido.
A Fitzgerald, apenas um vazio incontornável.
Grande obra, de um dos grandes autores americanos do século XX.
PS: Acabei de ler Hemingway, "Paris é uma Festa", em que o autor conhece e se vê diante da "fragilidade" da personalidade de Fitzgerald.
Gatsby era então, apenas um projeto do romancista.
terça-feira, 17 de abril de 2012
LIVRO: O Sonho do Celta - Le Rêve du Celte -Mario Vargas Llosa
Romance histórico, em que o ganhador do Prêmio Nobel de literatura, Mario Vargas Llosa, descreve a saga de Roger Casement, irlandês, a serviço do Império Britânico nos domínios "colonizados" da África e na Amazônia (extração da borracha) no começo do século XX.
Idealista e sonhador, Casement passa a vivenciar de perto, as atrocidades, abusos e maus-tratos aos nativos dessas regiões, para depois denunciar tudo ao mundo através de seus relatórios e livros.
Foi cônsul da Inglaterra no Congo e no Brasil, e a ele é oferecido o título máximo de cavalheiro, pelos serviços prestados à coroa.
De ardoroso ativista e personagem reconhecido e aclamado pela sociedade, Casement passa ao ódio e repúdio à dominação da Irlanda pela Inglaterra, iniciando então, uma luta incansável junto aos compatriotas irlandeses em busca da liberdade.
Numa ação que chega até a uma tentativa de aliança frustrada da Irlanda com a Alemanha contra a Inglaterra, durante a primeira guerra mundial, ele é finalmente preso como traidor pelo governo inglês, e condenado à morte.
O que mais pesa em sua condenação:
a descoberta de um livro/diário seu, em que ele se revela homossexual.
Passa um longo período encarcerado num presídio de segurança máxima inglês, abandonado pelos amigos e personagens que no passado o glorificaram.
Os relatos de crueldade aos africanos e aos índios amazonenses, assim como os interesses excusos de uma Europa colonizadora, são o ponto forte da narrativa, notadamente, a fúria desenfreada do rei Leopold II da Bélgica, que amealhou uma fortuna incalculável com o comércio da borracha no Congo, sacrificando e executando barbaramente os negros nativos.
O livro é excelente (sou fã de Vargas LLosa), mas a meu ver, peca em um pequeno detalhe:
a forma quase que velada de que trata a homossexualidade de Casement, sendo que ao fim do livro, em uma pequena nota, o autor afirma não acreditar que o irlandês tenha realizado tudo o que escreveu em seu diário, constituindo-se a maioria de seus relatos em sonhos e fantasias sexuais.
Preconceito moral?
De toda forma, vale ser lido, quase uma leitura obrigatória.
Não podemos viver alienados da história, é preciso que conheçamos, e bem, o lado bestial do ser humano.
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LIVRO: O Fantasma de Canterville - Oscar Wilde
O escritor nasceu em Dublin em 1854, viveu em Londres e morreu no exílio em Paris, em 1900. Casou-se, mas enfrentou um processo sob a acusação de homossexualismo, em que foi condenado em 1894 a dois anos de prisão e trabalhos forçados. Sua obra (fantástica) é marcada por uma fina ironia à sociedade em geral, sobretudo, à hipocrisia das altas rodas e círculos sociais, que se refestelava em festas e esnobismos, enquanto o resto da população morria de fome e miséria. No conto, "O Fantasma de Canterville", ele "ataca" de uma só vez a tradição britânica e a americana, em toda a sua "praticidade e peculiaridade". Trata-se de uma obra divertida e até hilária. Não pude conter boas gargalhadas, e aconselho-o a todos. Ótimos momentos de leitura. Está longe da densidade de "O retrato de Dorian Gray" e seus outros livros mais conhecidos, mas ainda assim, vale a pena. Um breve resumo: Na Primavera de 1890, o diplomata americano H. B. Otis chega à Inglaterra e decide comprar o Castelo de Canterville, nos arredores de Ascott. O próprio Lord Canterville, proprietário do imóvel, pertencente à sua família há várias gerações, sente-se na obrigação de advertir ao comprador que o lugar é assombrado. Ali habita um fantasma que perturba os moradores de sua família há séculos. Otis, o americano, e os de sua família, não acreditam em fantasmas. O casal, que tem dois filhos pequenos gêmeos, um rapaz e uma mocinha, delicada e meiga, aceita ainda a incumbência de conservar a governanta, antiga na mansão, amedrontada e crédula, como convém às governantas britânicas. As peripécias começam logo nas primeiras noites, quando o fantasma "residente" inicia sua função de assustar os novos moradores. De início, Otis, o chefe da família, se levanta amolado com o barulho, e sugere ao fantasma um produto (americano com certeza), que é muito eficaz para untar suas correntes que fazem muito barulho pela casa. Os gêmeos resolvem revidar e também amedrontar o fantasma, pregando-lhe peças, tais como baldes d´água em sua cabeça quando ele resolve ir ao quarto deles. Enfim, a vida do fantasma torna-se um inferno de desassossego e desmoralização, até que esgotado, cai em depressão profunda. Sua redenção vem com a ajuda da filha mocinha, que após repreendê-lo (o fantasma) por roubar-lhe suas tintas vermelhas de pintura para simular manchas de sangue na biblioteca, ajuda-o (acha mais prático) a morrer, após 300 anos de vida assombrando sem parar. Há tiradas antológicas, imperdíveis. Pura ironia, fina e direta às histerias da nobreza ingleza e às soluções práticas dos americanos. Não deixem de ler. Ah, meu livro, eu o comprei na FNAC, pela internet, em edições de bolso da L&PM, por 12,00 (fora o frete). Vem junto na mesma obra, outros contos de Wilde, igualmente bons. |
Só Fotografando ...
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LIVRO: Os Belos e Malditos - F. Scott Fitzgerald
Fitzgerald é oriundo de uma família de irlandeses, católicos. O pai instruído e pobre, a mãe, sem instrução, mas de uma família pobre que prosperou no comércio.
Este é um ponto importante a destacar antes de ler suas obras, pois, parece-me que sua escrita está sempre oscilando exatamente aí. O conhecimento como uma glória a ser exibida, o dinheiro, as classes sociais, o charme, a pobreza. Finalmente, o próprio retrato da sociedade americana à sua época. Dizem que ele retratou muito bem a era do apogeu do jazz, mas eu acredito que, muito mais do que isto, um momento histórico social.
O romance "Os Belos e Malditos", fala da vida de um casal. A aproximação entre os dois, o conhecimento e todas as diferenças culturais, uma proposta de vida, já de saída, sem o menor futuro, o gozar a vida simplesmente inútil, já que o fim é inexorável e para todos, pobres e ricos.
Em suma, um casal "capturado" nas próprias origens do autor, sem saídas, sem conseguir escolher diante de uma divisão, muito bem mostrada no decorrer do romance.
Li quando jovem, e se bem me lembro, "Suave é a Noite", outro de seus livros conhecidos, retrata quase que a mesma coisa: um enigma paralisante, e que os condena às margens da sociedade, à contestação, quase sempre terminando no alcoolismo, no vazio, no inútil de uma existência, marcada pelo total sem-sentido.
Como foi o próprio fim de F. Scott Fitzgerald. Endividado, alcoólatra, no fundo do poço.
Merece ser lido.
segunda-feira, 16 de abril de 2012
No Escuro ou Uma Declaração de Amor
Corpos nus e suados no escuro.
Apenas o barulho ritmado do ventilador no teto, que faz balançar levemente a cortina, deixando que fachos de luzes da rua brinquem pelas paredes, formando sombras e formas coloridas.
Ele já dormiu, e agora ela se remexe na cama escutando a música que vem de alguma festa distante.
Sons de alegria, com certeza, risadas e vozes agitadas.
O clima é todo anos sessenta.
E ela pensa, voa distante em lembranças difusas, sem conseguir se deter ou se localizar em um momento preciso de sua vida.
Acha bom ficar assim, em video-tapes sem sentido, até que o sono interrompa alguma ação que nunca aconteceu.
Pensa no amor a seu lado, e comove-se ao olhar a brancura do seu corpo imóvel, alheio ao turbilhão de seus pensamentos.
Brinca de inventar pedaços de sua vida que ela não conhece, de sua infância cheia de aventuras e segredos.
Acha fascinante imaginar e conhecer sua história de antiguidades gaulesas, romanas, batalhas de Napoleões, reis, nobreza, revolucionários, datas e fatos sem fim.
Tudo tão distante, lá dos livros de história, que a mocinha pobre jamais imaginou conhecer de perto.
Não resiste ao ímpeto de tocar o seu corpo devagarinho, tentando descobrir detalhes europeus ainda ocultos para ela.
Aproxima-se bem de perto, para melhor sentir o seu cheiro, e cola-se em seu dorso macio.
Ela tem a impressão que agora, ele finge dormir, para não ter que contar mais detalhes da Inquisição ou de Louis XIV, Zola ou Baudelaire, coisas que ela adora perguntar todas as noites.
Instantes de puro enlevo.
Pena o cartesianismo e a praticidade, quando ela o escuta dizer:
-"Tu vas dormir maintenant, parce que tu travailles demain".
Em seu cantinho ela pensa:
-"Quelle merde!!!"
;-))
LIVRO: O Retrato de Dorian Gray - Oscar Wilde
Um outro clássico.
Taí, sempre pensei que o autor fosse inglês, mas nasceu na Irlanda.
Oscar Wilde mostrou-se brilhante desde jovem, chegando mesmo a ganhar um premio com um poema. Logo, tornou-se muito conhecido, apesar da hostilidade social devido às suas extravagâncias e comportamentos bizarros.
A obra, "O Retrato de Dorian Gray", foi um grande sucesso desde o lançamento, inclusive no teatro.
Homossexual, Wilde esteve preso, devido às suas ligações com um jovem da sociedade londrina, e lá ele escreve uma de suas grandes obras, "De Profundis e outros escritos do cárcere".
Sobre o livro:
Devido justamente à sua homossexualidade e o escândalo seguido de sua prisão, houve uma tendência da crítica à época, em deixar de lado a obra literária e fixar-se no social. É neste momento em que Wilde diz a frase que se tornou célebre: "
"Não existem livros morais ou imorais. Os livros são mal ou bem escritos. É tudo”
Basil Hallward é um pintor conhecido, que se empenha em fazer o retrato do belíssimo Dorian Gray. Obstinado em sua pintura, Basil torna-se fascinado pela beleza e juventude do rapaz.
As sessões desenvolvem-se em tal clima, e sob o aspecto de uma amizade muito estreita entre os dois, fica subtendida uma grande paixão do pintor pelo rapaz. Sua juventude é posta em destaque, como algo sublime, a ser imortalizada em sua pintura.
As sessões desenvolvem-se em tal clima, e sob o aspecto de uma amizade muito estreita entre os dois, fica subtendida uma grande paixão do pintor pelo rapaz. Sua juventude é posta em destaque, como algo sublime, a ser imortalizada em sua pintura.
É através de Basil, que Dorian Gray fica conhecendo um seu amigo, Lord Henry Wotton, aristocrata cínico e muito irônico. Seus conceitos de moral, amor, casamento, mulheres e do comportamento das pessoas em geral, passam a encantar o jovem.
Dividido entre o que lhe é oferecido pelo pintor, e uma visão totalmente amoral do mundo nos dizeres de Lord Henry, Dorian decide-se a um pacto diabólico: a saber, promete sua alma em troca da juventude eterna, conquanto que ele pudesse levar a vida nos moldes cínicos e mesmo perversos propostas pelo aristocrata.
O quadro pintado por Basil, torna-se uma espécie de um duplo de Dorian, e é olhando através dele que se vê envelhecer. Ele permanece sempre jovem e belo, e o reflexo de seus atos imorais aparecem apenas na pintura, guardada num lugar escondido, onde ele ía de vez em quando olhar horrorizado as rugas e as marcas de sua velhice, consequentes de sua própria vida amoral.
Trata-se de uma crítica feroz e mordaz aos costumes da época. Londres, puritana e aristocrata, os salões fervilhando de hipocrisia e futilidade, fechando os olhos à prostituição, à miséria, e à depravação.
Também, na minha opinião, uma batalha travada entre dois extremos: uma saída para a existência através das artes, cultuando-se o belo e o puro, (Basil Hallward), ou o descambamento para o bestial, livre, cínico e amoral (Lord Henry Wotton).
Um grande livro, marcado por diálogos cortantes e inusitados, pela agudeza de espírito, e sobretudo muito crítico.
Alada
É certo que ninguém a percebia caminhando pelas ruas. Circulava em silêncio, entre sombras, como se seus passos fossem de plumas.
Ela voa?
Não se sabe, nunca mostrou suas asas. Ou elas se escondiam em véus de cores tristes como seu rosto? Dizem que ela jamais sorriu. Corriam rumores de que ela era encantada, e que havia um brilho mágico em seu olhar que só as crianças podiam ver.
Magra e muito ágil, o tempo de suas aparições era rápido, e num instante ela desaparecia, como certas sensações de medo durante a noite.
Conta-se que certa vez escutaram-lhe os soluços, tais como lamentos abafados pelo ruído das folhas que correm ao vento de outono. Uma noite inteira. Mas isto era só dela, pois que jamais se soube que destinos teriam sua vida, se era assim que ela falava aos seus fantasmas.
Cogitou-se em um passado de muitos amores. Como um quebra-cabeças que todos se propunham a decifrar. Inútil, sem respostas.
Diziam que ela dançava sozinha, exalando um perfume suave em seus movimentos. Imaginavam coisas, inventavam os seus dias.
Houve um tempo de muita chuva, alagando os caminhos que se cruzavam entre todos. Só poderia ser um feitiço dela. Fizeram filas em romaria diante de sua casa, esbravejaram palavras de ordem. Mas ela não apareceu. Apenas um ligeiro movimento das cortinas que balançavam ao ar úmido do estio.
Os mais sábios e poderosos do lugar, decidiram examinar de perto as origens da estranha que talvez voasse. Fariam inquéritos, votariam propostas e decidiriam o seu futuro. Para isto, ela seria intimada a comparecer e contar em detalhes os mistérios de sua leveza. Juntaram papéis, numa escrita interminável de todos os seus passos. Expediram ordens, marcaram datas para o seu comparecimento. Sem conclusões finais, porque na manhã de seu julgamento, eis que todos os papéis e pastas desapareceram. Atônitos, jurados e juizes viram num cantinho da sala um monte de pó que ameaçava voar pelas janelas entreabertas, tal qual a ré em suas caminhadas pela cidade.
Etérea bailarina, alada em seus sonhos, visão insuportável.
Sua história teve um princípio desconhecido de todos. No lugar onde morou, as pessoas ficaram velhas e algumas morreram, sem nada saber.
Nas anotações oficiais, consta que ela desapareceu numa manhã de verão ensolarada. Por toda a cidade ouviram notas distantes de um piano.
E juram que era Chopin.
Ela voa?
Não se sabe, nunca mostrou suas asas. Ou elas se escondiam em véus de cores tristes como seu rosto? Dizem que ela jamais sorriu. Corriam rumores de que ela era encantada, e que havia um brilho mágico em seu olhar que só as crianças podiam ver.
Magra e muito ágil, o tempo de suas aparições era rápido, e num instante ela desaparecia, como certas sensações de medo durante a noite.
Conta-se que certa vez escutaram-lhe os soluços, tais como lamentos abafados pelo ruído das folhas que correm ao vento de outono. Uma noite inteira. Mas isto era só dela, pois que jamais se soube que destinos teriam sua vida, se era assim que ela falava aos seus fantasmas.
Cogitou-se em um passado de muitos amores. Como um quebra-cabeças que todos se propunham a decifrar. Inútil, sem respostas.
Diziam que ela dançava sozinha, exalando um perfume suave em seus movimentos. Imaginavam coisas, inventavam os seus dias.
Houve um tempo de muita chuva, alagando os caminhos que se cruzavam entre todos. Só poderia ser um feitiço dela. Fizeram filas em romaria diante de sua casa, esbravejaram palavras de ordem. Mas ela não apareceu. Apenas um ligeiro movimento das cortinas que balançavam ao ar úmido do estio.
Os mais sábios e poderosos do lugar, decidiram examinar de perto as origens da estranha que talvez voasse. Fariam inquéritos, votariam propostas e decidiriam o seu futuro. Para isto, ela seria intimada a comparecer e contar em detalhes os mistérios de sua leveza. Juntaram papéis, numa escrita interminável de todos os seus passos. Expediram ordens, marcaram datas para o seu comparecimento. Sem conclusões finais, porque na manhã de seu julgamento, eis que todos os papéis e pastas desapareceram. Atônitos, jurados e juizes viram num cantinho da sala um monte de pó que ameaçava voar pelas janelas entreabertas, tal qual a ré em suas caminhadas pela cidade.
Etérea bailarina, alada em seus sonhos, visão insuportável.
Sua história teve um princípio desconhecido de todos. No lugar onde morou, as pessoas ficaram velhas e algumas morreram, sem nada saber.
Nas anotações oficiais, consta que ela desapareceu numa manhã de verão ensolarada. Por toda a cidade ouviram notas distantes de um piano.
E juram que era Chopin.
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