terça-feira, 7 de agosto de 2012

FOTO: Luz e Sombra em Toulouse


FILME: Adeus Minha Concubina




Filme  que tem a direção de Kaige Chen, e conta a história e amizade de dois homens que trabalham na Ópera de Pequim, desde suas infâncias, até que um deles se apaixona por uma prostituta, formando nesta relação um triângulo amoroso.
Ao mesmo tempo, relata um longo período da história na China, desde o período do Império, passando pela ocupação japonesa, até a Revolução Cultural.

Fotografia belíssima, assim como a composição das cores do figurino, e do visual.

Produzido em 1993, conserva atual a complexidade dos sentimentos humanos, mostrados de uma maneira extremamente sensível e cuidadosa. E é exatamente pos isto, que nos sentimos transportados  para uma tradição desconhecida de nossa cultura ocidental, a da ópera chinesa, cheia de particularidades.

Grande beleza plástica, ali estão cultura, arte, história e genialidade.
Um filme que deve ser visto por todos.
Recomendo-o com prazer.

FOTO: Curiosidade


FOTO: Tim Tim !!! Santé !!!


VOCÊ SABIA???



"Canção do Outono" é um dos mais célebres poemas do poeta francês Paul Verlaine.
Sua primeira estrofe (um pouco alterada), foi usada como código pela Rádio Londres (BBC), no dia 5 de Junho de 1944, às 21:15, pouco antes do desembarque aliado na Normandia, para informar à resistência, que tal se realizaria nas próximas horas.
Ei-lo:
CHANSON D’AUTOMNE 
  
Les sanglots longs
Des violons
De l’automne
Blessent mon coeur
D’une langueur
Monotone.
 Tout suffocant
Et blême, quand
Sonne l’heure,
Je me souviens
Des jours anciens
Et je pleure.
 Et je m’en vais
Au vent mauvais
Qui m’emporte
Deçà, delà,
Pareil à la
Feuille morte.
Paul Verlaine
CANÇÃO DO OUTONO
(Tradução: Alphonsus de Guimaraens)
Os soluços graves
Dos violinos suaves
Do outono
Ferem a minh’alma
Num langor de calma
E sono.
Sufocado, em ânsia,
Ai! quando à distância
Soa a hora,
Meu peito magoado
Relembra o passado
E chora.
Daqui, dali, pelo
Vento em atropelo
Seguido,
Vou de porta em porta,
Como a folha morta
Batido



FOTO: Paris


FOTO: Janela


PIERRE-AUGUSTE RENOIR; mon père - Jean Renoir - LIVRO



Jean Renoir foi o segundo filho do pintor Auguste Renoir. Cineasta, produziu alguns filmes, hoje considerados como obras primas. Entre eles, "A Grande Ilusão" e "A Regra do Jogo". Filmes, que segundo a opinião de críticos, abriu as portas à Nouvelle Vague francesa. Recebeu o Oscar de Hollywood pelo conjunto de sua obra.

O livro que escreveu sobre seu pai é pura ternura e calor humano, trazendo a biografia do gênio da pintura através de um cotidiano simples, a partir de sua vida cercada de obras primas por todos os lados, e em companhia de gênios igualmente nascentes e incompreendidos à época.
Ali estão Claude Monet, Camille Pissarro, Berthe Morisot, Paul Cézanne, Émile Zola,e muitos outros, iniciantes nas artes da pintura e da literatura, com suas angústias e o inconformismo que darão origem a uma nova visão do mundo.
Em volta da mesa, em bate papos, ou em busca da paisagem onde melhor pudessem captar a luz impressionista.
Amizades, discussões e as idéias que permearam suas vidas.

O que melhor ilustra o livro é a vida de Renoir, não apenas pintor, mas um pai, um marido, um homem muito simples e crítico da burguesia e costumes em voga, fazendo questão de trazer sua vida e sua família dentro de hábitos mais naturais e saudáveis, que se tornavam mesmo leis dentro de sua casa.

Renoir apresentava-se sobretudo, como um operário da pintura. E isto podia ser notado até em sua maneira de se vestir.
Sua humildade e generosidades eram o traço forte de sua personalidade.

Temos através da escrita de um filho, a tragetória iniciante, a chegada ao sucesso de Renoir, até sua fase final, acometido de um reumatismo deformante, que em momento algum o impediu de pintar.
Um percurso permeado de lutas, mas com as brincadeiras e as anedotas da intimidade de uma família, intimidade esta que foi agregando a presença de modelos e dos amigos mais próximos.

Leitura atraente, pois vemos desfilar a cada momento as histórias dos personagens já nossos conhecidos, de Paris e de toda a França.
O melhor, atirando-nos à busca de mais informações, o que me fez deixar o livro de lado algumas vezes, para ler sobre Paul Cézanne, Delacroix e sobre o próprio Jean Renoir.
Meu próximo projeto é assistir seus filmes.

Não é maravilhoso? Acho que puxei fios da meada que parecem não ter fim à minha curiosidade de amante da pintura (sobretudo impressionista), e da literatura.

Enfim, o livro existe em português, e eu acho que deve ser SUPER recomendado a todos.

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Jean Renoir était le second fils du peintre impressionniste Auguste Renoir.
Cinéaste, il a produit quelques films, aujourd'hui considérés comme des chefs-d'œuvre. Parmi eux, « La Grande Illusion » et « La Règle du Jeu ». Films qui, selon l'opinion des critiques, ont ouvert les portes de la Nouvelle Vague française.
Il a reçu l'Oscar  de Hollywood par l´ensemble de son oeuvre

Ce livre de souvenirs où il écrit sur son père est pure tendresse et chaleur humaine, apportant à la biographie du génie de la peinture, le quotidien de sa vie entourée de chefs-d'œuvre et en compagnie de génies de la peinture aussi en train d´éclater et mal compris à l'époque.

Claude Monet, Camille Pissarro, Berthe Morisot, Paul Cézanne, Emile Zola et bien  d'autres sont là, débutants dans l'art de la peinture et de la littérature, avec leur angoisse et agitation qui donnent naissance à une nouvelle vision du monde.

Autour de la table, dans les conversations, ou à la recherche du paysage où ils pourraient mieux capturer la lumière impressionniste.
Des amitiés, des discussions et des idées qui imprégnaient leurs vies.

Mais ce qui est le plus intéressant dans le livre, c´est qu´on peut bien connaître Renoir, le père, le mari, et surtout un homme très simple et critique de la bourgeoisie de l´époque, en donnant beaucoup d´importance à la question d'amener à sa vie et à celle de sa famille des habitudes plus naturelles et saines, qui devinrent des lois chez lui.

Renoir a été principalement comme un ouvrier de la peinture, et il voulait se montrer comme cela, même dans sa façon de s´habiller.
Son humilité et sa générosité furent les caractères plus forts de sa personnalité.
Nous avons par le biais de l'écriture d'un fils, la trajectoire de Renoir dès le début à l'arrivée au succès, jusqu'à sa phase finale, frappé d'un rhumatisme déformant, qui ne l´a jamais empêché de peindre.
Une vie imprégnée de combats, mais avec des plaisanteries et des anecdotes de l'intimité d'une famille, intimité qui a été augmentée par la présence des modèles et des  amis plus proches.

Il s´agit d´une lecture intéressante où nous voyons défiler à chaque moment, les histoires de personnages qui nous sont déjà connus, à Paris et dans toute la France.
On est attiré pour l´envie d´avoir  plus d'informations, ce qui m'a fait quitter le livre quelques fois, pour lire sur Paul Cézanne, Delacroix et Jean Renoir lui-même.
Mon prochain projet est de regarder ses films.

N'est-il pas merveilleux ? J´ai l´impression que j'ai tiré les fils d´un chemin qui n´a plus  de fin à ma curiosité d´amante de la peinture (surtout celle des impressionnistes) et de la littérature.

De toute façon, le livre existe en portugais, et je pense qu'il devrait être SUPER recommandé à tous.

domingo, 13 de maio de 2012

LIVRO: A Viagem Vertical - Enrique Vila-Matas



Que super viagem, o livro!

Nada conhecia do escritor e jornalista catalão.

Mayol, o personagem principal, é bem o espírito “esquentado” do espanhol de Barcelona, deliciando-nos com passagens humorísticas de suas reações imprevisíveis diante de atitudes que não lhe agradam.

Mas, ainda muito mais forte do que o humor, seu pensar  filosófico sobre a sua vida, frustrada em seus sonhos de entrar numa universidade, fazer-se culto.

É quando Franco sobe ao poder na Espanha.

Neste momento, Mayol era jovem, teve que parar seus estudos, trabalhar e ganhar a vida. Acaba enriquecendo, acumulando um grande patrimônio à sua família, agora casado e pai de três filhos.

A história começa quando sua mulher o expulsa de casa, dizendo-lhe que precisava ficar livre, conhecer-se.
Assustado, recorre à ajuda de seus filhos, e se dá conta de que nada vai bem.
Sua implicância maior é com o filho caçula, um pintor diletante, que joga em sua cara a sua falta de cultura a cada vez que se encontram.

Esta é uma grande ferida, o que se presentifica em seu ódio a Franco.

A sua viagem vertical inicia-se na cidade do Porto, passa por Lisboa e termina em Funchal, na Ilha da Madeira. (dá uma vontade enorme de conhecê-la)

É  lá, que Mayol toma conhecimento de que sua busca cultural e tudo o que o humilha e o entristece está dentro de si mesmo, aceitando o fim de sua descida, sem renunciar aos seus sonhos.

O livro me foi recomendado como sendo uma grande experiência literária.
O que eu concordo.

FOTO: La Femme au Violon

quarta-feira, 9 de maio de 2012

LIVRO: A Morte de Ivan Ilitch - Leon Tolstói



 
Nada é preciso dizer do autor, por demais conhecido e reconhecido como um dos gênios da literatura dos fins do século XIX.
Aí estão Guerra e Paz, Ana Karenina e mais uma vasta obra.

O que acabo de ler, A Morte de Ivan Ilitch, é considerada como a novela mais perfeita da literatura mundial.

Mas não nos é possível ficar apenas nos julgamentos dos outros, e aqui, digo com muita certeza, é preciso entrar dentro deste drama profundíssimo, com detalhes psicológicos que não escapam nem aos menos sensíveis.

A novela foi escrita em 1886, mas poderia muito bem ser transportada para a atualidade, com toda a angústia de um balanço que se faz quando da iminência da morte. Numa reflexão de todas as etapas de sua vida, o personagem se desvela num julgamento cruel do que lhe foi possível ser em sua existência.

Trata-se de um acerto de contas consigo, e daí não escapam todas as chances de felicidade que não escolheu, e os rumos tomados, sempre ditados por um social. As aparências.

Nesta fase final, o amor e as amizades são desvelados em toda hipocrisia, em detalhes, quer seja nas ações de sua mulher e filha, quer seja no olhar e nas palavras de cada um de seus amigos. Ivan Ilitch, em sua agonia final, vai encontrar a ternura e a sinceridade nos atos de seu criado, um camponês humilde.

A sua luta com a morte, entremeada de momentos de dor e o alívio do ópio, duram três meses de revoltas e a tomada de consciência do fim que se aproxima, fazendo-o empreender viagens até sua própria infância, num resgate do que foram seus momentos felizes.

Magistral, Tolstói mergulha muito fundo dentro de cada um de seus leitores, e ninguém sai impune de sua análise sobre a inexorável condição humana.

Não adianta fugir de tal angústia, não há outra saída do que aceitar  a leitura e se haver com ela.

domingo, 6 de maio de 2012

FOTO: As Vinhas da Ira

LIVRO: A Peste - Albert Camus





Tudo se passa na cidade de Oran, que nos é apresentada apenas pela sua chuva, seu vento, o sol, seus odores, sendo que  o movimento das pessoas pelas ruas e pelos bares é apenas um pano de fundo.
São vielas e ruas sombrias que se seguem sem um destino, como a própria existência humana.
Até mesmo o mar, relatado como uma visão distante, um prazer agora interditado a todos os moradores.

A peste irrompe de repente, abatendo sobretudo e também, não apenas os corpos físicos das pessoas, mas minando crescentemente  todos os valores morais de seus habitantes, valores estes simbólicos e universais do ser humano.
A bondade, a amizade, a fraternidade, a morte, e todos os seus pares de opostos, colocados em evidência em uma narrativa que se alterna com o abominável dos corpos que se acumulam atingidos  pela doença.

Sobretudo o amor, de um momento a outro, a cidade é isolada, separando maridos, esposas e amantes, o que num primeiro instante traz à tona os sentimentos mais desesperadores da ausência, mas  que pouco a pouco se diluem em questionamentos outros, as mais íntimas e cruciais perguntas sobre nossas existências.

São pequenas histórias de personagens comuns, configurando seus dramas e misérias, e estes, face a face com suas questões, não conseguem reagir ao absurdo da peste.

A morte, que pode advir a qualquer um, é um evento apenas perscrutado de passagem, através do barulho das sirenes das ambulâncias que cortam a cidade transportando os que estão por sucumbir.

Quando o cemitério da cidade não pode mais receber tantos corpos, a noção do pudor e do respeito vai caindo lentamente,  e eles começam a ser jogados em uma vala comum, que também se esgota, culminando num forno crematório, com cuidados especiais para que os odores das fumaças não cheguem até os vivos.

Deus, outro questionamento trazido através do sermão inflamado do padre na igreja, um outro valor, que no início da peste pode tudo explicar como sendo a desobediência e o descumprimento das pessoas às leis divinas, mas que aos poucos, deixa de cumprir este papel, perante o absurdo do isolamento de cada um em si mesmo, muito maior do que o imposto pela peste.

O personagem vivido pelo médico Dr. Rieux, traz um Camus  propondo uma saída de “salvação” à nossa condição no mundo. Trabalhar, agir e fazer o possível pelo próximo, escutar sem julgar, compreender, afinal, somos o conjunto de todos os absurdos.

Se para Sartre o inferno são os outros, para Camus, os outros talvez sejam o paraíso.

Grande leitura!!!

quinta-feira, 3 de maio de 2012

FOTO: Guarda-sóis fechados

LIVRO: O Mito de Sísifo - Albert Camus

Dizer do autor, nascido na Argélia sob o signo da fome, da miséria e da guerra, já é um passo na direção da compreensão  de sua escrita. Consigo, ele carrega para a França ocupada pelos nazistas, onde militou na resistência,  toda a carga do “pied-noir” pobre e sem estímulos para uma carreira não apenas de escritor, mas de jornalista e filósofo, com uma obra que marcou o mundo ocidental do pós guerra.
Tem sua vida marcada pelo absurdo da morte diante do seu olhar, aliado à tuberculose, doença que o acompanhou desde a sua juventude; acaba morrendo em 1960 num acidente de automóvel.
Já havia lido O Estrangeiro, na minha opinião, uma das melhores obras do século XX.
O Mito de Sísifo, que o autor publicou aos 29 anos, em 1942, conserva-se atual, e quase como um diagnóstico terrível e inexorável de nossos dias. Ou seja, uma elaboração teórica da consciência da falta de sentido  e do inútil da existência humana. A luta e as saídas de cada um de nós,  dentro de tais condições, as tentativas de nos diferenciarmos dos ratos (estou lendo A Peste).
A obra marca o rompimento de Camus com o existencialismo.
Aqui, ele começa com UM RACIOCÍNIO ABSURDO, que se subdivide em: O absurdo do suicídio, Os muros absurdos, O suicídio filosófico, e a Liberdade absurda.

O julgamento se a vida vale ou não ser vivida.

Segue-se O HOMEM ABSURDO, onde ele diz do Donjuanismo, da Comédia e da Conquista.

Sobre Don Juan:
“Se amar bastasse, as coisas seriam simples. Quanto mais se ama, mais se consolida o absurdo. Don Juan não vai de mulher em mulher por falta de amor. É ridículo representá-lo como um iluminado em busca do amor total. Mas é justamente porque as ama com idêntico arroubo, e sempre com todo o seu ser, que precisa repetir essa doação e esse aprofundamento. Por isto, cada uma delas espera lhe oferecer o que ninguém nunca lhe deu. Em todas as vezes elas se enganam profundamente e só conseguem fazê-lo sentir necessidade dessa repetição. “Por fim, exclama uma delas, “te dei o amor.” “Por fim? Não” – diz ele -, outra vez.” Por que seria preciso amar raramente para amar muito?

Na sequência, A CRIAÇÃO ABSURDA, com Filosofia e romance, Kirilov e a Criação sem amanhã.

“Se o mundo fosse claro, não existiria a arte.”

“A expressão começa onde o pensamento acaba.”

Camus faz uma análise da obra de Dostoievski, afirmando que todos os heróis do autor se questionam sobre o sentido da vida e nisto é que são modernos, não temem o ridículo.

O que distingue a sensibilidade moderna da sensibilidade clássica é que esta se nutre de problemas morais e aquela de problemas metafísicos.”

Sobre A CRIAÇÃO SEM AMANHÃ:

“Todo pensamento que renuncia à unidade exalta a diversidade. E a diversidade é o lugar da arte.”
“O que resta é um destino de que só a saída é fatal. Fora dessa única fatalidade da morte, tudo, alegria ou felicidade, está liberto. Permanece um mundo de que o homem é o único senhor. O que o prendia era a ilusão de um outro mundo. A inclinação de seu pensamento não é mais a de renunciar, mas a de explodir em imagens. Ele se representa em mitos, não há dúvida, mas mitos sem outra profundidade que a da dor humana e, como esta, inesgotável. Não a fábula divina que diverte e cega, mas o rosto, o gesto e o drama terrenos em que se resumem uma difícil sabedoria e uma paixão sem amanhã.”

O MITO DE SÍSIFO:

“Os deuses tinham condenado Sísifo a rolar um rochedo incessantemente até o cimo de uma montanha, de onde a pedra caía de novo por seu próprio peso. Eles tinham pensado, com as suas razões, que não existe punição mais terrível do que o trabalho inútil e sem esperança.”
“Já deu para compreender que Sísifo é o herói absurdo. Ele o é tanto por suas paixões como por seu tormento. O desprezo pelos deuses, o ódio à Morte e a paixão pela vida lhe valeram esse suplício indescritível em que todo o ser se ocupa em não completar nada. É o preço a pagar pelas paixões deste mundo. Nada nos foi dito sobre Sísifo nos infernos. Os mitos são feitos para que a imaginação os anime. Neste caso, vê-se apenas todo o esforço de um corpo estirado para levantar a pedra enorme, rolá-la e fazê-la subir uma encosta, tarefa cem vezes recomeçada. Vê-se o rosto crispado, a face colada à pedra, o socorro de uma espádua que recebe a massa recoberta de barro, e de um pé que a escora, a repetição na base do braço, a segurança toda humana de duas mãos cheias de terra. Ao final desse esforço imenso medido pelo espaço sem céu e pelo tempo sem profundidade, o objetivo é atingido. Sísifo; então, vê a pedra desabar em alguns instantes para esse mundo inferior de onde será preciso reerguê-la até os cimos. E desce de novo para a planície.”

Camus deixa em aberto o dilema: "Ou não somos livres e o responsável pelo mal é Deus todo-poderoso, ou somos livres e responsáveis, mas Deus não é todo-poderoso."

Uma leitura indispensável.

domingo, 22 de abril de 2012

FOTO: Janela (aeroporto confins)

Traição

Fernando atravessou a rua apressado.
Irritava-o o movimento intenso de carros e ônibus àquela hora.
Sempre assim, tentava sair mais cedo de seu trabalho, mas havia ainda o que fazer, ordens ditadas à última hora por seu chefe.
 

Havia já dois anos desde que se formara, e ele ocupava um bom cargo numa empresa de auditoria.
Sentia-se orgulhoso de seu emprego, jovem ainda, já reconhecido na área e com um bom salário.
 
Não se arrependia de ter seguido os conselhos de seu pai ao cursar economia.
Embora tivesse esboçado alguma vontade de ser médico em sua juventude, acabou por ceder à voz da sabedoria e experiência.
Aliás, ele e seus dois irmãos mais velhos e já casados, nunca questionaram nada durante as reuniões em casa, no escritório do pai, repleto de livros de direito.
Advogado brilhante e austero, de poucas palavras, respeitado e temido por todos da família.
Bem verdade que sua mãe, algumas vezes, sorria-lhe timidamente ao término de algumas destas reuniões, mas Fernando, sem entender, nunca fez muito caso.

Hoje, terça feira, era dia de ver a namorada. Costumavam lanchar juntos, e depois, ele a levava  à universidade em seu carro. Ela o esperava  à porta do edifício onde morava, seguiam até à lanchonete da esquina, e após comerem  e trocarem rápidos carinhos, rumavam para a faculdade.
Terminadas as aulas, esperava-a à saída e levava-a de volta para casa.

Bem mais jovem do que ele, Cristina parecia uma adolescente, bonita e muito provocante, o que desgostava  profundamente a Fernando. Os homens olhavam-na com olhares desejosos de sexo, o que por vezes terminava em cenas violentas  de ciúmes. Ele habituou-se a acompanhar pelo canto dos olhos, todos os movimentos da namorada, seguindo e interpretando à sua maneira, cada pequeno gesto que ela fazia.

Tais acontecimentos terminaram por pautar e dimensionar a forma com que Fernando deveria tratá-la. Estavam pensando em ficar noivos, e Fernando já havia mesmo avisado aos pais dela que iriam se casar. Ele comprou um apartamento, e algumas vezes, era lá que faziam amor, nos fins de semana em que ficavam mais tempo juntos. Ali colocaram um colchão, alguns utensílios necessários de cozinha, e ficavam sonhando a vida de casados que estava por chegar. Nestes momentos, Fernando era só amor, dedicação.

O inferno era sair à rua com Cristina. Os homens olhando, e ele cada vez mais certo de que ela retribuía tais olhares. Nas últimas semanas, resolveu seguí-la à distância, chegando mais cedo à universidade e num canto mais escuro do estacionamento, ficava de olho para ver se ela conversava com alguém. Quando algo de suspeito acontecia, Fernando pedia explicações, acusava-a e explodia em acessos de muita raiva. Nestes momentos, ameaçava-a de não mais se casar, de deixá-la para sempre. O que fez algumas vezes, mas cedendo sempre aos apelos chorosos de Cristina ao telefone, acabava voltando.

Para melhor controlar seus carinhos e sua presença junto à namorada, ele criou uma planilha no excel, e ali, ía dando notas diárias aos diversos comportamentos  manifestados por ela. Por exemplo, ao se falarem ao telefone à hora do almoço, havia dias em que ela estava carinhosa, doce e muito terna; outras vezes, no encontro noturno, ela se vestia em decotes e saias curtas; as notas  seguiam de acordo com o que Fernando julgava acertado e próprio. Assim, suas dúvidas agora tornavam-se certezas, tudo muito justo, como devem  ser as relações entre um casal. Desta forma, havia semanas em que os dois encontravam-se apenas uma ou duas vezes, resultado, segundo ele,  que ela mesma provocava com suas notas.

Em conversa íntima com um colega de escritório, Fernando revelou-lhe suas desconfianças sobre Cristina. A partir de então, ficaram amigos muito próximos, e o companheiro prometeu ajudar-lhe no que fosse preciso.
Inclusive, naquela mesma noite haveria uma super festa, cheia das melhores putas, e  ele já estava convidado.  Muita bebida rolando, era só escolher e comer quem ele quisesse. Pela primeira vez ele iria traí-la, e isto o alegrava e excitava demais. Sentiu-se bem aliviado, quando computou no dia seguinte a sequência de notas baixas em sua planilha. Vingança das boas.

Passados já alguns anos deste namoro, Cristina se formou, viajou para o exterior, lá conheceu alguém e se casou.
Fernando, neste momento, estuda a criação de outros métodos mais eficazes para não ser passado pra trás.

sábado, 21 de abril de 2012

FOTO: Old Mississipi

FOTO: Esquina de New Orleans

FOTO: Chovendo em New Orleans

FOTO: Estilo New Orleans

FOTO: Jazz in New Orleans

LIVRO: A Manta do soldado - Lídia Jorge


 

Uma das melhores coisas que já li até hoje.

Uma descoberta linda da escritora portuguesa LÍDIA JORGE.
Recomendo, imperdível.

Leia o texto de Luiz Ruffato para o romance de Lídia Jorge que arrebatou o Prêmio Jean Monet, da Comunidade Econômica Européia.

Uma personagem sem nome protagoniza este romance, A manta do soldado, que se constrói em camadas, como se a autora, a portuguesa Lídia Jorge, conduzisse-nos para dentro de uma casa sem luz elétrica, no lusco-fusco, e fosse-nos dado conhecê-la pouco a pouco, a luz bruxuleante de uma lamparina inaugurando espantos. No começo, tudo é nebuloso, perdidos que estamos entre brumas. Com o passar das páginas, no entanto, nossa vista acostuma-se e aqui deciframos um móvel, ali uma paisagem, acolá personagens que se vão despertando do sono da memória. E, juntos, a autora e o leitor, mergulhamos na noite.

Publicado em 1998, originalmente com o título de O Vale da Paixão, A Manta do Soldado é mais uma prova do vigor da atual literatura portuguesa. Agraciado com o Prêmio Jean Monet, da Comunidade Econômica Européia, este é um livro de prestação de contas: de Lídia Jorge com suas obsessões; de Lídia Jorge com seu país. Segundo a própria autora, esta “é a história da ascensão e queda de uma casa rural portuguesa face a um destino sem destino”.

Situada a narrativa no espaço geográfico imaginário de Valmares, no Algarves, sul de Portugal, a trama desenvolve-se a partir de uma visita que a narradora, inominada, recebe no inverno de 1963. Esse (re)encontro entre a menina e seu tio, Walter Dias, na verdade seu pai biológico, desencadeia uma profunda reflexão sobre raízes, num magnífico ir e vir, no qual passado e presente são embaralhados e reembaralhados, como no início de um jogo de cartas. Ficamos paulatinamente conhecendo a família Dias, cujo patriarca, Francisco, arroga-se direitos medievais sobre os descendentes, e, mais nuclearmente, Custódio, Walter e Maria Ema, atores de uma tragédia.

Walter, o caçula, rebela-se contra o atraso, o autoritarismo, o moralismo da Casa de Valmares. Mas paga um preço altíssimo por isso: é condenado a vagar pela Terra, qual um novo Ahaverus, arrastando culpa e solidão. Custódio, o coxo, primogênito dos Dias, é obrigado a se casar com Maria Ema, engravidada pelo irmão, para salvar a honra da família. A partir desse enredo, Lídia Jorge, com maestria, ergue uma catedral de silêncios e purgações.

A única coisa que Walter consegue deixar como marca de sua passagem – e servir como ponte de lembranças para a sobrinha/filha – é uma “manta de caserna, dois metros quadrados de fazenda grossa, debruada a linha parda”, onde se podia ler que “pertenceu ao recruta 687 de 45, (...) conhecido pelo assobio, pelo andar e pelos animais que desenhava, (...)”.

É a trajetória dessa manta, que trazia em si conformado o corpo daquele que a usou, que Lídia Jorge refaz, lembrando os melhores momentos do melhor Faulkner.

LIVRO: Carmem e outros contos - Prosper Mérimée






Gosto muito de "visitar" uma exposição permanente de livros que ficam à porta de uma livraria perto de meu consultório. Ali estão, em promoções ótimas, com preços irresistíveis. 
Claro, é preciso "garimpar", ter paciência, e o prêmio costuma ser alguns tesouros a 10,00.
Foi o que paguei pela obra prima que acabo de ler.
O achado mais recente: "Carmem e Outros Contos" , de Prosper Mérimée.
"Carmen", que Bizet transformou na famosa ópera, e os outros, inacreditavelmente fantásticos.
E uma observação, apesar de "Carmem" ter sido o seu mais conhecido, há outros, que na minha opinião o superam em finura de espírito e no drama psicológico. Aliás, é bem aí que ele é mestre.

Prosper Mérimée nasceu em Paris, foi arqueólogo, historiador, formou-se em Direito, e escritor. 
Sua escrita mescla os seus conhecimentos profissionais, que com muita inteligência e sensibilidade os insere em cada um de seus contos. 
Situa suas histórias na Espanha, na Rússia, Itália, França, e nesta, com críticas mordazes e veladas aos costumes de época e à intimidade sem censuras dos personagens. 
Não nos é difícil visitar com ele cada um destes lugares e conhecer na essência, cada um dos personagens.
Um livro excelente, um dos melhores contistas que já li até hoje. 

Os contos do livro:
-CARMEM
-MATEO FALCONE (ambientado na Córsega, com todas as nuances dos códigos de honra e hábitos locais - fantástico)
-TAMANGO
-O VASO ETRUSCO
-A PARTIDA DE GAMÃO
-A VÊNUS DE ILLE
-IL VICCOLO DI MADAMA LUCREZIA
-O QUARTO AZUL
-O MANUSCRITO DO PROFESSOR WITTENBACH
Sinceramente, não consigo dizer qual gostei mais.
Julgo mais do que necessário recomendá-lo aos amigos como uma leitura URGENTE.

FOTO: Em Montmartre

sexta-feira, 20 de abril de 2012

ESTUDO: Varal

FOTO: Geometria do cotidiano (metrô de Madri)

LIVRO: O diamante do tamanho do Ritz e outros contos - F. Scott Fitzgerald



Para quem já é familiarizado à obra do autor, os contos não trazem novidade alguma.
Seguem a mesma crítica social, os mesmos personagens com suas taças de champagne, e todo um glamour. 
Uma repetição sistemática.

O conto que dá o nome ao título do livro, “O Diamante do tamanho do Ritz”, trata da história de um jovem nascido numa cidade do interior, Hades, e que vai estudar em Boston, dando vazão a todos os seus anseios de pertencer a uma classe social mais elevada.
 Apesar de ser citado como um dos melhores momentos do humor ferino de Fitzgerald, com peripécias e malabarismos tecnológicos mil, nem assim consegue ser uma grande leitura.

“Bernice corta o cabelo” é o segundo, e descreve a falta de escrúpulos de uma jovem muito popular na cidade onde mora, em relação à sua prima, mais simples e pobre que vem visitá-la.

O último, “O palácio de gelo”, narra as dúvidas de uma jovem sulista, entre o amor a um ianque e o ter que abandonar suas raízes e tradições

FOTO: Carnaval

FOTO: De tudo ao meu amor serei atenta ...

Com as Mãos da Criança

Queria ter lhe encontrado antigamente.
Minhas mãos de criança lhe dariam os trevos pequeninos
colhidos em jardins de sonhos.
Brincaríamos de esconde-esconde às gritarias e gargalhadas.
Correríamos pelas ruas em meio à molecada atrevida.
Iríamos juntos às matinês de domingo com roupas novas e bem penteados.
Depois, você veria minha adolescente chegar, desajeitada, magrela, só pernas e braços.
Eu lhe faria meus primeiros passos de ballet, de piruetas mágicas,
a lhe convidar aos meus voos sem fim.
Teríamos beijos roubados e consentidos, carinhos escondidos e proibidos.
Falaríamos de planos e juraríamos uma vida eterna.
Até um grande momento de nossa experiência sexual.
A primeira.
Meu corpo se abrindo ao seu.
Liberdades crescentes, entrega total.
Sem percebermos, estaríamos lado a lado, num tempo infinito.
Esse tempo que sinto hoje a me invadir.
No corpo da mulher.
Às vezes cansado, às vezes triste.
Só sei construir toda esta vida com você.
Sou a menina que muito lhe desejou.
A mulher que lhe faz presente num passado.
Vou juntando minhas lembranças e projetando-as no futuro.
A seu lado.
Onde sempre estive.

FOTO: La Orgia Dorada - (partitura para sax barítono)