Dizer do autor, nascido na Argélia sob o signo da fome, da miséria e da guerra, já é um passo na direção da compreensão de sua escrita. Consigo, ele carrega para a França ocupada pelos nazistas, onde militou na resistência, toda
a carga do “pied-noir” pobre e sem estímulos para uma carreira não
apenas de escritor, mas de jornalista e filósofo, com uma obra que
marcou o mundo ocidental do pós guerra.
Tem
sua vida marcada pelo absurdo da morte diante do seu olhar, aliado à
tuberculose, doença que o acompanhou desde a sua juventude; acaba
morrendo em 1960 num acidente de automóvel.
Já havia lido O Estrangeiro, na minha opinião, uma das melhores obras do século XX.
O
Mito de Sísifo, que o autor publicou aos 29 anos, em 1942, conserva-se
atual, e quase como um diagnóstico terrível e inexorável de nossos dias.
Ou seja, uma elaboração teórica da consciência da falta de sentido e do inútil da existência humana. A luta e as saídas de cada um de nós, dentro de tais condições, as tentativas de nos diferenciarmos dos ratos (estou lendo A Peste).
A obra marca o rompimento de Camus com o existencialismo.
Aqui,
ele começa com UM RACIOCÍNIO ABSURDO, que se subdivide em: O absurdo do
suicídio, Os muros absurdos, O suicídio filosófico, e a Liberdade
absurda.
O julgamento se a vida vale ou não ser vivida.
Segue-se O HOMEM ABSURDO, onde ele diz do Donjuanismo, da Comédia e da Conquista.
Sobre Don Juan:
“Se
amar bastasse, as coisas seriam simples. Quanto mais se ama, mais se
consolida o absurdo. Don Juan não vai de mulher em mulher por falta de
amor. É ridículo representá-lo como um iluminado em busca do amor total.
Mas é justamente porque as ama com idêntico arroubo, e sempre com todo o
seu ser, que precisa repetir essa doação e esse aprofundamento. Por
isto, cada uma delas espera lhe oferecer o que ninguém nunca lhe deu. Em
todas as vezes elas se enganam profundamente e só conseguem fazê-lo
sentir necessidade dessa repetição. “Por fim, exclama uma delas, “te dei
o amor.” “Por fim? Não” – diz ele -, outra vez.” Por que seria preciso
amar raramente para amar muito?
Na sequência, A CRIAÇÃO ABSURDA, com Filosofia e romance, Kirilov e a Criação sem amanhã.
“Se o mundo fosse claro, não existiria a arte.”
“A expressão começa onde o pensamento acaba.”
Camus
faz uma análise da obra de Dostoievski, afirmando que todos os heróis
do autor se questionam sobre o sentido da vida e nisto é que são
modernos, não temem o ridículo.
“O
que distingue a sensibilidade moderna da sensibilidade clássica é que
esta se nutre de problemas morais e aquela de problemas metafísicos.”
Sobre A CRIAÇÃO SEM AMANHÃ:
“Todo pensamento que renuncia à unidade exalta a diversidade. E a diversidade é o lugar da arte.”
“O
que resta é um destino de que só a saída é fatal. Fora dessa única
fatalidade da morte, tudo, alegria ou felicidade, está liberto.
Permanece um mundo de que o homem é o único senhor. O que o prendia era a
ilusão de um outro mundo. A inclinação de seu pensamento não é mais a
de renunciar, mas a de explodir em imagens. Ele se representa em mitos,
não há dúvida, mas mitos sem outra profundidade que a da dor humana e,
como esta, inesgotável. Não a fábula divina que diverte e cega, mas o
rosto, o gesto e o drama terrenos em que se resumem uma difícil
sabedoria e uma paixão sem amanhã.”
O MITO DE SÍSIFO:
“Os
deuses tinham condenado Sísifo a rolar um rochedo incessantemente até o
cimo de uma montanha, de onde a pedra caía de novo por seu próprio
peso. Eles tinham pensado, com as suas razões, que não existe punição
mais terrível do que o trabalho inútil e sem esperança.”
“Já
deu para compreender que Sísifo é o herói absurdo. Ele o é tanto por
suas paixões como por seu tormento. O desprezo pelos deuses, o ódio à
Morte e a paixão pela vida lhe valeram esse suplício indescritível em
que todo o ser se ocupa em não completar nada. É o preço a pagar pelas
paixões deste mundo. Nada nos foi dito sobre Sísifo nos infernos. Os
mitos são feitos para que a imaginação os anime. Neste caso, vê-se
apenas todo o esforço de um corpo estirado para levantar a pedra enorme,
rolá-la e fazê-la subir uma encosta, tarefa cem vezes recomeçada. Vê-se
o rosto crispado, a face colada à pedra, o socorro de uma espádua que
recebe a massa recoberta de barro, e de um pé que a escora, a repetição
na base do braço, a segurança toda humana de duas mãos cheias de terra.
Ao final desse esforço imenso medido pelo espaço sem céu e pelo tempo
sem profundidade, o objetivo é atingido. Sísifo; então, vê a pedra
desabar em alguns instantes para esse mundo inferior de onde será
preciso reerguê-la até os cimos. E desce de novo para a planície.”
Camus
deixa em aberto o dilema: "Ou não somos livres e o responsável pelo
mal é Deus todo-poderoso, ou somos livres e responsáveis, mas Deus não é
todo-poderoso."
Uma leitura indispensável.
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