quinta-feira, 3 de maio de 2012

LIVRO: O Mito de Sísifo - Albert Camus

Dizer do autor, nascido na Argélia sob o signo da fome, da miséria e da guerra, já é um passo na direção da compreensão  de sua escrita. Consigo, ele carrega para a França ocupada pelos nazistas, onde militou na resistência,  toda a carga do “pied-noir” pobre e sem estímulos para uma carreira não apenas de escritor, mas de jornalista e filósofo, com uma obra que marcou o mundo ocidental do pós guerra.
Tem sua vida marcada pelo absurdo da morte diante do seu olhar, aliado à tuberculose, doença que o acompanhou desde a sua juventude; acaba morrendo em 1960 num acidente de automóvel.
Já havia lido O Estrangeiro, na minha opinião, uma das melhores obras do século XX.
O Mito de Sísifo, que o autor publicou aos 29 anos, em 1942, conserva-se atual, e quase como um diagnóstico terrível e inexorável de nossos dias. Ou seja, uma elaboração teórica da consciência da falta de sentido  e do inútil da existência humana. A luta e as saídas de cada um de nós,  dentro de tais condições, as tentativas de nos diferenciarmos dos ratos (estou lendo A Peste).
A obra marca o rompimento de Camus com o existencialismo.
Aqui, ele começa com UM RACIOCÍNIO ABSURDO, que se subdivide em: O absurdo do suicídio, Os muros absurdos, O suicídio filosófico, e a Liberdade absurda.

O julgamento se a vida vale ou não ser vivida.

Segue-se O HOMEM ABSURDO, onde ele diz do Donjuanismo, da Comédia e da Conquista.

Sobre Don Juan:
“Se amar bastasse, as coisas seriam simples. Quanto mais se ama, mais se consolida o absurdo. Don Juan não vai de mulher em mulher por falta de amor. É ridículo representá-lo como um iluminado em busca do amor total. Mas é justamente porque as ama com idêntico arroubo, e sempre com todo o seu ser, que precisa repetir essa doação e esse aprofundamento. Por isto, cada uma delas espera lhe oferecer o que ninguém nunca lhe deu. Em todas as vezes elas se enganam profundamente e só conseguem fazê-lo sentir necessidade dessa repetição. “Por fim, exclama uma delas, “te dei o amor.” “Por fim? Não” – diz ele -, outra vez.” Por que seria preciso amar raramente para amar muito?

Na sequência, A CRIAÇÃO ABSURDA, com Filosofia e romance, Kirilov e a Criação sem amanhã.

“Se o mundo fosse claro, não existiria a arte.”

“A expressão começa onde o pensamento acaba.”

Camus faz uma análise da obra de Dostoievski, afirmando que todos os heróis do autor se questionam sobre o sentido da vida e nisto é que são modernos, não temem o ridículo.

O que distingue a sensibilidade moderna da sensibilidade clássica é que esta se nutre de problemas morais e aquela de problemas metafísicos.”

Sobre A CRIAÇÃO SEM AMANHÃ:

“Todo pensamento que renuncia à unidade exalta a diversidade. E a diversidade é o lugar da arte.”
“O que resta é um destino de que só a saída é fatal. Fora dessa única fatalidade da morte, tudo, alegria ou felicidade, está liberto. Permanece um mundo de que o homem é o único senhor. O que o prendia era a ilusão de um outro mundo. A inclinação de seu pensamento não é mais a de renunciar, mas a de explodir em imagens. Ele se representa em mitos, não há dúvida, mas mitos sem outra profundidade que a da dor humana e, como esta, inesgotável. Não a fábula divina que diverte e cega, mas o rosto, o gesto e o drama terrenos em que se resumem uma difícil sabedoria e uma paixão sem amanhã.”

O MITO DE SÍSIFO:

“Os deuses tinham condenado Sísifo a rolar um rochedo incessantemente até o cimo de uma montanha, de onde a pedra caía de novo por seu próprio peso. Eles tinham pensado, com as suas razões, que não existe punição mais terrível do que o trabalho inútil e sem esperança.”
“Já deu para compreender que Sísifo é o herói absurdo. Ele o é tanto por suas paixões como por seu tormento. O desprezo pelos deuses, o ódio à Morte e a paixão pela vida lhe valeram esse suplício indescritível em que todo o ser se ocupa em não completar nada. É o preço a pagar pelas paixões deste mundo. Nada nos foi dito sobre Sísifo nos infernos. Os mitos são feitos para que a imaginação os anime. Neste caso, vê-se apenas todo o esforço de um corpo estirado para levantar a pedra enorme, rolá-la e fazê-la subir uma encosta, tarefa cem vezes recomeçada. Vê-se o rosto crispado, a face colada à pedra, o socorro de uma espádua que recebe a massa recoberta de barro, e de um pé que a escora, a repetição na base do braço, a segurança toda humana de duas mãos cheias de terra. Ao final desse esforço imenso medido pelo espaço sem céu e pelo tempo sem profundidade, o objetivo é atingido. Sísifo; então, vê a pedra desabar em alguns instantes para esse mundo inferior de onde será preciso reerguê-la até os cimos. E desce de novo para a planície.”

Camus deixa em aberto o dilema: "Ou não somos livres e o responsável pelo mal é Deus todo-poderoso, ou somos livres e responsáveis, mas Deus não é todo-poderoso."

Uma leitura indispensável.

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