Tudo se passa na cidade de Oran, que nos é apresentada apenas pela sua chuva, seu vento, o sol, seus odores, sendo que o movimento das pessoas pelas ruas e pelos bares é apenas um pano de fundo.
São vielas e ruas sombrias que se seguem sem um destino, como a própria existência humana.
Até mesmo o mar, relatado como uma visão distante, um prazer agora interditado a todos os moradores.
A peste irrompe de repente, abatendo sobretudo e também, não apenas os corpos físicos das pessoas, mas minando crescentemente todos os valores morais de seus habitantes, valores estes simbólicos e universais do ser humano.
A
bondade, a amizade, a fraternidade, a morte, e todos os seus pares de
opostos, colocados em evidência em uma narrativa que se alterna com o
abominável dos corpos que se acumulam atingidos pela doença.
Sobretudo
o amor, de um momento a outro, a cidade é isolada, separando maridos,
esposas e amantes, o que num primeiro instante traz à tona os
sentimentos mais desesperadores da ausência, mas que pouco a pouco se diluem em questionamentos outros, as mais íntimas e cruciais perguntas sobre nossas existências.
São
pequenas histórias de personagens comuns, configurando seus dramas e
misérias, e estes, face a face com suas questões, não conseguem reagir
ao absurdo da peste.
A
morte, que pode advir a qualquer um, é um evento apenas perscrutado de
passagem, através do barulho das sirenes das ambulâncias que cortam a
cidade transportando os que estão por sucumbir.
Quando o cemitério da cidade não pode mais receber tantos corpos, a noção do pudor e do respeito vai caindo lentamente, e
eles começam a ser jogados em uma vala comum, que também se esgota,
culminando num forno crematório, com cuidados especiais para que os
odores das fumaças não cheguem até os vivos.
Deus,
outro questionamento trazido através do sermão inflamado do padre na
igreja, um outro valor, que no início da peste pode tudo explicar como
sendo a desobediência e o descumprimento das pessoas às leis divinas,
mas que aos poucos, deixa de cumprir este papel, perante o absurdo do
isolamento de cada um em si mesmo, muito maior do que o imposto pela
peste.
O personagem vivido pelo médico Dr. Rieux, traz um Camus propondo
uma saída de “salvação” à nossa condição no mundo. Trabalhar, agir e
fazer o possível pelo próximo, escutar sem julgar, compreender, afinal,
somos o conjunto de todos os absurdos.
Se para Sartre o inferno são os outros, para Camus, os outros talvez sejam o paraíso.
Grande leitura!!!
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