domingo, 13 de maio de 2012

LIVRO: A Viagem Vertical - Enrique Vila-Matas



Que super viagem, o livro!

Nada conhecia do escritor e jornalista catalão.

Mayol, o personagem principal, é bem o espírito “esquentado” do espanhol de Barcelona, deliciando-nos com passagens humorísticas de suas reações imprevisíveis diante de atitudes que não lhe agradam.

Mas, ainda muito mais forte do que o humor, seu pensar  filosófico sobre a sua vida, frustrada em seus sonhos de entrar numa universidade, fazer-se culto.

É quando Franco sobe ao poder na Espanha.

Neste momento, Mayol era jovem, teve que parar seus estudos, trabalhar e ganhar a vida. Acaba enriquecendo, acumulando um grande patrimônio à sua família, agora casado e pai de três filhos.

A história começa quando sua mulher o expulsa de casa, dizendo-lhe que precisava ficar livre, conhecer-se.
Assustado, recorre à ajuda de seus filhos, e se dá conta de que nada vai bem.
Sua implicância maior é com o filho caçula, um pintor diletante, que joga em sua cara a sua falta de cultura a cada vez que se encontram.

Esta é uma grande ferida, o que se presentifica em seu ódio a Franco.

A sua viagem vertical inicia-se na cidade do Porto, passa por Lisboa e termina em Funchal, na Ilha da Madeira. (dá uma vontade enorme de conhecê-la)

É  lá, que Mayol toma conhecimento de que sua busca cultural e tudo o que o humilha e o entristece está dentro de si mesmo, aceitando o fim de sua descida, sem renunciar aos seus sonhos.

O livro me foi recomendado como sendo uma grande experiência literária.
O que eu concordo.

FOTO: La Femme au Violon

quarta-feira, 9 de maio de 2012

LIVRO: A Morte de Ivan Ilitch - Leon Tolstói



 
Nada é preciso dizer do autor, por demais conhecido e reconhecido como um dos gênios da literatura dos fins do século XIX.
Aí estão Guerra e Paz, Ana Karenina e mais uma vasta obra.

O que acabo de ler, A Morte de Ivan Ilitch, é considerada como a novela mais perfeita da literatura mundial.

Mas não nos é possível ficar apenas nos julgamentos dos outros, e aqui, digo com muita certeza, é preciso entrar dentro deste drama profundíssimo, com detalhes psicológicos que não escapam nem aos menos sensíveis.

A novela foi escrita em 1886, mas poderia muito bem ser transportada para a atualidade, com toda a angústia de um balanço que se faz quando da iminência da morte. Numa reflexão de todas as etapas de sua vida, o personagem se desvela num julgamento cruel do que lhe foi possível ser em sua existência.

Trata-se de um acerto de contas consigo, e daí não escapam todas as chances de felicidade que não escolheu, e os rumos tomados, sempre ditados por um social. As aparências.

Nesta fase final, o amor e as amizades são desvelados em toda hipocrisia, em detalhes, quer seja nas ações de sua mulher e filha, quer seja no olhar e nas palavras de cada um de seus amigos. Ivan Ilitch, em sua agonia final, vai encontrar a ternura e a sinceridade nos atos de seu criado, um camponês humilde.

A sua luta com a morte, entremeada de momentos de dor e o alívio do ópio, duram três meses de revoltas e a tomada de consciência do fim que se aproxima, fazendo-o empreender viagens até sua própria infância, num resgate do que foram seus momentos felizes.

Magistral, Tolstói mergulha muito fundo dentro de cada um de seus leitores, e ninguém sai impune de sua análise sobre a inexorável condição humana.

Não adianta fugir de tal angústia, não há outra saída do que aceitar  a leitura e se haver com ela.

domingo, 6 de maio de 2012

FOTO: As Vinhas da Ira

LIVRO: A Peste - Albert Camus





Tudo se passa na cidade de Oran, que nos é apresentada apenas pela sua chuva, seu vento, o sol, seus odores, sendo que  o movimento das pessoas pelas ruas e pelos bares é apenas um pano de fundo.
São vielas e ruas sombrias que se seguem sem um destino, como a própria existência humana.
Até mesmo o mar, relatado como uma visão distante, um prazer agora interditado a todos os moradores.

A peste irrompe de repente, abatendo sobretudo e também, não apenas os corpos físicos das pessoas, mas minando crescentemente  todos os valores morais de seus habitantes, valores estes simbólicos e universais do ser humano.
A bondade, a amizade, a fraternidade, a morte, e todos os seus pares de opostos, colocados em evidência em uma narrativa que se alterna com o abominável dos corpos que se acumulam atingidos  pela doença.

Sobretudo o amor, de um momento a outro, a cidade é isolada, separando maridos, esposas e amantes, o que num primeiro instante traz à tona os sentimentos mais desesperadores da ausência, mas  que pouco a pouco se diluem em questionamentos outros, as mais íntimas e cruciais perguntas sobre nossas existências.

São pequenas histórias de personagens comuns, configurando seus dramas e misérias, e estes, face a face com suas questões, não conseguem reagir ao absurdo da peste.

A morte, que pode advir a qualquer um, é um evento apenas perscrutado de passagem, através do barulho das sirenes das ambulâncias que cortam a cidade transportando os que estão por sucumbir.

Quando o cemitério da cidade não pode mais receber tantos corpos, a noção do pudor e do respeito vai caindo lentamente,  e eles começam a ser jogados em uma vala comum, que também se esgota, culminando num forno crematório, com cuidados especiais para que os odores das fumaças não cheguem até os vivos.

Deus, outro questionamento trazido através do sermão inflamado do padre na igreja, um outro valor, que no início da peste pode tudo explicar como sendo a desobediência e o descumprimento das pessoas às leis divinas, mas que aos poucos, deixa de cumprir este papel, perante o absurdo do isolamento de cada um em si mesmo, muito maior do que o imposto pela peste.

O personagem vivido pelo médico Dr. Rieux, traz um Camus  propondo uma saída de “salvação” à nossa condição no mundo. Trabalhar, agir e fazer o possível pelo próximo, escutar sem julgar, compreender, afinal, somos o conjunto de todos os absurdos.

Se para Sartre o inferno são os outros, para Camus, os outros talvez sejam o paraíso.

Grande leitura!!!

quinta-feira, 3 de maio de 2012

FOTO: Guarda-sóis fechados

LIVRO: O Mito de Sísifo - Albert Camus

Dizer do autor, nascido na Argélia sob o signo da fome, da miséria e da guerra, já é um passo na direção da compreensão  de sua escrita. Consigo, ele carrega para a França ocupada pelos nazistas, onde militou na resistência,  toda a carga do “pied-noir” pobre e sem estímulos para uma carreira não apenas de escritor, mas de jornalista e filósofo, com uma obra que marcou o mundo ocidental do pós guerra.
Tem sua vida marcada pelo absurdo da morte diante do seu olhar, aliado à tuberculose, doença que o acompanhou desde a sua juventude; acaba morrendo em 1960 num acidente de automóvel.
Já havia lido O Estrangeiro, na minha opinião, uma das melhores obras do século XX.
O Mito de Sísifo, que o autor publicou aos 29 anos, em 1942, conserva-se atual, e quase como um diagnóstico terrível e inexorável de nossos dias. Ou seja, uma elaboração teórica da consciência da falta de sentido  e do inútil da existência humana. A luta e as saídas de cada um de nós,  dentro de tais condições, as tentativas de nos diferenciarmos dos ratos (estou lendo A Peste).
A obra marca o rompimento de Camus com o existencialismo.
Aqui, ele começa com UM RACIOCÍNIO ABSURDO, que se subdivide em: O absurdo do suicídio, Os muros absurdos, O suicídio filosófico, e a Liberdade absurda.

O julgamento se a vida vale ou não ser vivida.

Segue-se O HOMEM ABSURDO, onde ele diz do Donjuanismo, da Comédia e da Conquista.

Sobre Don Juan:
“Se amar bastasse, as coisas seriam simples. Quanto mais se ama, mais se consolida o absurdo. Don Juan não vai de mulher em mulher por falta de amor. É ridículo representá-lo como um iluminado em busca do amor total. Mas é justamente porque as ama com idêntico arroubo, e sempre com todo o seu ser, que precisa repetir essa doação e esse aprofundamento. Por isto, cada uma delas espera lhe oferecer o que ninguém nunca lhe deu. Em todas as vezes elas se enganam profundamente e só conseguem fazê-lo sentir necessidade dessa repetição. “Por fim, exclama uma delas, “te dei o amor.” “Por fim? Não” – diz ele -, outra vez.” Por que seria preciso amar raramente para amar muito?

Na sequência, A CRIAÇÃO ABSURDA, com Filosofia e romance, Kirilov e a Criação sem amanhã.

“Se o mundo fosse claro, não existiria a arte.”

“A expressão começa onde o pensamento acaba.”

Camus faz uma análise da obra de Dostoievski, afirmando que todos os heróis do autor se questionam sobre o sentido da vida e nisto é que são modernos, não temem o ridículo.

O que distingue a sensibilidade moderna da sensibilidade clássica é que esta se nutre de problemas morais e aquela de problemas metafísicos.”

Sobre A CRIAÇÃO SEM AMANHÃ:

“Todo pensamento que renuncia à unidade exalta a diversidade. E a diversidade é o lugar da arte.”
“O que resta é um destino de que só a saída é fatal. Fora dessa única fatalidade da morte, tudo, alegria ou felicidade, está liberto. Permanece um mundo de que o homem é o único senhor. O que o prendia era a ilusão de um outro mundo. A inclinação de seu pensamento não é mais a de renunciar, mas a de explodir em imagens. Ele se representa em mitos, não há dúvida, mas mitos sem outra profundidade que a da dor humana e, como esta, inesgotável. Não a fábula divina que diverte e cega, mas o rosto, o gesto e o drama terrenos em que se resumem uma difícil sabedoria e uma paixão sem amanhã.”

O MITO DE SÍSIFO:

“Os deuses tinham condenado Sísifo a rolar um rochedo incessantemente até o cimo de uma montanha, de onde a pedra caía de novo por seu próprio peso. Eles tinham pensado, com as suas razões, que não existe punição mais terrível do que o trabalho inútil e sem esperança.”
“Já deu para compreender que Sísifo é o herói absurdo. Ele o é tanto por suas paixões como por seu tormento. O desprezo pelos deuses, o ódio à Morte e a paixão pela vida lhe valeram esse suplício indescritível em que todo o ser se ocupa em não completar nada. É o preço a pagar pelas paixões deste mundo. Nada nos foi dito sobre Sísifo nos infernos. Os mitos são feitos para que a imaginação os anime. Neste caso, vê-se apenas todo o esforço de um corpo estirado para levantar a pedra enorme, rolá-la e fazê-la subir uma encosta, tarefa cem vezes recomeçada. Vê-se o rosto crispado, a face colada à pedra, o socorro de uma espádua que recebe a massa recoberta de barro, e de um pé que a escora, a repetição na base do braço, a segurança toda humana de duas mãos cheias de terra. Ao final desse esforço imenso medido pelo espaço sem céu e pelo tempo sem profundidade, o objetivo é atingido. Sísifo; então, vê a pedra desabar em alguns instantes para esse mundo inferior de onde será preciso reerguê-la até os cimos. E desce de novo para a planície.”

Camus deixa em aberto o dilema: "Ou não somos livres e o responsável pelo mal é Deus todo-poderoso, ou somos livres e responsáveis, mas Deus não é todo-poderoso."

Uma leitura indispensável.